sexta-feira, 11 de julho de 2014

O futebol será agora com as mãos

Com o fim da Copa do Mundo em Cuiabá, as autoridades locais festejam e apostam no futebol americano para garantir o futuro da Arena Pantanal




A noite mal começava em Cuiabá, na terça-feira, dia 24, quando o árbitro português Pedro Proença levou o apito à boca. Com um sopro, decretou o fim do encontro entre colombianos e japoneses. A goleada da Colômbia, por 4 a 1, marcava o fim do Mundial em Mato Grosso. Depois de quatro jogos, com pouco mais de 360 minutos de futebol, Cuiabá despediu-se da Copa. Muitos na cidade acreditam que a festa continua. Cuiabá, dizem, é a capital do futebol no Brasil. Dois dos últimos quatro Campeonatos Brasileiros foram vencidos pelo principal time da cidade. A Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo em Mato Grosso (Secopa) sonha com o tricampeonato neste ano, numa decisão na Arena Pantanal, para um público de 40 mil pessoas. É só trocar os pés pelas mãos. Agora que o futebol amado pelos brasileiros foi embora, a capital mato-grossense aposta em sua verdadeira especialidade. Cuiabá é a capital brasileira do futebol americano.

O Cuiabá Arsenal é motivo de orgulho para os mato-grossenses e uma das principais alternativas de aproveitamento do estádio no futuro – um dos maiores candidatos a elefante branco após a Copa, segundo um estudo concluído no final de 2012. O Instituto Dinamarquês de Estudos do Esporte (Idee) mostrou que a grande capacidade dos estádios de Manaus, Brasília, Natal e, principalmente, Cuiabá contrasta com a média de público das séries B, C e D do Campeonato Brasileiro de futebol, divisões em que jogam as equipes dessas cidades. O estudo diz levar em consideração que as arenas são multiuso e podem receber shows e convenções. Ainda assim, dá à Arena Pantanal pontuação 0,8, numa escala em que a média internacional dos estádios avaliados atinge 13,4 pontos.

Mesmo com o melhor time de Mato Grosso na Série B, o Luverdense, de Lucas do Rio Verde, a 350 quilômetros de Cuiabá, o secretário extraordinário da Copa no Estado, Maurício Guimarães, é puro otimismo. “Não virará um elefante branco de jeito nenhum. Vamos, muito em breve, lotar a Arena com o Cuiabá Arsenal sendo campeão brasileiro”, diz. Além dos jogos do time de futebol americano, que leva mais gente aos estádios que o campeonato estadual de futebol local – no ano passado, em seus 78 jogos somados, só somou 44.926 pagantes –, Guimarães tem outros planos para a Arena, que pretende conceder à iniciativa privada até outubro. Há negociações adiantadas para que ela receba quatro partidas do Campeonato Brasileiro deste ano. Ele deixa escapar que um clube paulista já concordou em atuar lá. “O Palmeiras vem aí”, diz. A ideia do governo estadual é publicar o edital para a concessão pública da Arena Pantanal nos próximos dias. Apesar do receio da população, Guimarães afirma que a licitação não será um fracasso. “Temos gente interessada. Grupos europeus. Que vai ter disputa, vai.” Segundo ele, a operação de um jogo no estádio fica em torno de R$ 200 mil. O presidente da Federação Mato-Grossense de Futebol, Luiz Wellington da Silva, afirmou na semana passada que o ex-presidente do Corinthians Andrés Sanchez e o ex-jogador Ronaldo estão entre os interessados em administrar a Arena Pantanal.

A Copa em Cuiabá não se resumiu ao estádio, que prometia um custo de R$ 420 milhões e acabou saindo por mais de R$ 600 milhões. O investimento total previsto para melhorias na cidade, somando aeroporto, estádio e obras de mobilidade urbana, é da ordem de R$ 3 bilhões. De um total de 56 obras que deveriam ter sido realizadas para o Mundial, cerca de 60% foram concluídas, segundo a Secopa. A secretaria também afirma, numa previsão otimista, que, dentro de 60 dias, o percentual de melhorias concluídas alcançará 95%. “A cidade realmente recebeu muitas obras. Nosso faturamento caiu de 15% a 20% no período de mais obras, porque a gente não conseguia andar”, diz o taxista Elias Cândido. Ele afirma que gastava uma hora da região central da cidade até o aeroporto. Agora, numa Cuiabá menos caótica, faz o mesmo percurso em 15 minutos, dependendo do horário. Segundo ele, se as obras em andamento terminarem, o legado da Copa para a cidade será real. “Se todas que começaram terminarem, Cuiabá ganhará muito mesmo. Mas tenho medo de que não concluam o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos, uma espécie de bonde). Hoje dizem que ele era para os cuiabanos, e não para os turistas. Mas estava nas obras da Copa”, afirma Cândido.



O VLT é a maior obra já licitada na capital mato-grossense. Com investimento de mais de R$ 1,4 bilhão, a construção do sistema de metrô de superfície era prometida como maior legado para a região metropolitana de Cuiabá. Com mais de 22 quilômetros de extensão, ele surgiu como a principal proposta para resolver grande parte dos problemas de mobilidade da cidade. Os atrasos das obras superaram qualquer expectativa pessimista, e a população parece preocupada com o que poderá acontecer após a Copa. “O que prometeram, no geral, não cumpriram. Acredito que possa ficar abandonado após a Copa. O VLT, só acredito vendo”, diz o advogado Leonardo Vilas Boas. Para ele, várias obras foram disfarçadas para o Mundial. Segundo o secretário Guimarães, “a garantia de que o VLT sairá é real, tanto que não paramos nem durante a Copa”. O servidor público Jaime Garcia está otimista. “Uma Copa no Brasil, ainda mais nesta região tão esquecida, não dá para torcer contra. E vai ficar legado, sim. O trânsito melhorou muito, apesar de as obras ainda não estarem concluídas”, afirma Garcia. Para ele, a marca ruim deixada pela Copa foram as denúncias de desvios de recursos. “Foi um ponto negativo, mas aí o povo tem de saber escolher quem coloca lá”, afirma. Garcia refere-se à soma de denúncias do Ministério Público Estadual, que fizeram com que o Tribunal de Contas do Estado embargasse obras como o VLT, por suspeitas de irregularidades nos projetos e na licitação. O governo estadual sempre negou qualquer irregularidade.

Do ponto de vista turístico, a Copa em Cuiabá pode ser considerada um sucesso. É difícil encontrar taxistas, restaurantes ou hotéis que não tenham aumentado consideravelmente os rendimentos nas duas semanas da festa do futebol. A cidade recebeu milhares de chilenos para o jogo entre Chile e Austrália e comemorou os 98% de ocupação de seus hotéis. Seus leitos atingiram ocupação total para a última partida, entre Colômbia e Japão. Alguns torcedores chegaram a ter de se hospedar em Primavera do Leste, cidade a mais de 200 quilômetros de Cuiabá. Segundo a Secopa, a cidade recebeu 100 mil turistas durante o Mundial. O Ministério do Turismo calcula que tenham deixado em Mato Grosso mais de R$ 300 milhões. “Se você pegar os últimos dez dias, já começamos a ver no mundo algumas notícias da felicidade das pessoas de terem ido ao Pantanal”, diz Guimarães. “O mundo está vendo a Chapada dos Guimarães, o Pantanal, então acho que vale a pena.” O recorde de público da Arena Pantanal na Copa foi estabelecido na partida entre Bósnia e Nigéria, pelo Grupo F, no dia 21 de junho: 40.500 pessoas. Isso num jogo entre duas seleções com pouca história no futebol, representantes de países distantes. O telão montado pela Fifa Fan Fest em Cuiabá atraiu mais de 45 mil pessoas, durante a vitória do Brasil sobre Camarões, na semana passada. O local já recebera 43 mil pessoas para ver o jogo entre Brasil e México, e 17 mil acompanharam no telão a abertura do Mundial – vitória do Brasil sobre a Croácia.

Os mato-grossenses fizeram sua parte – torceram, gastaram, festejaram. Desde a semana passada, não há mais Copa do Mundo em Cuiabá. A realidade local será novamente marcada pelas obras, cuja conclusão voltará a ser cobrada – agora sem a pressão originada pelo calendário do Mundial. Mesmo que a bola oval do futebol americano consiga trazer um futuro promissor à custosa Arena Pantanal, fora dela os objetivos traçados pelas autoridades de Mato Grosso estão longe de alcançados. A ressaca da Copa em Cuiabá poderá ser dolorosa, caso a cidade não avance o que pretendia. Os torcedores e os atletas foram embora, mas as promessas feitas aos moradores de Cuiabá ficam.

Fonte: Época


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