segunda-feira, 14 de julho de 2014

'Depressão pós-Copa': como lidar com o problema

Frustração com derrotas e o encerramento do Mundial podem abalar o emocional dos torcedores




As chances de o Brasil conquistar a Copa do Mundo de 2014 acabaram-se na terça-feira com a derrota histórica da seleção para a Alemanha por 7 a 1. Alguns torcedores, porém, ainda mantêm vivo algum entusiasmo com o evento diante da possibilidade de acompanhar uma boa partida na final entre Alemanha e Argentina neste domingo no Maracanã ou de vivenciar os últimos dias da festa proporcionada pela competição no país.

Seja como for, a partir de segunda-feira não haverá mais Copa do Mundo. Com isso, algumas pessoas, independentemente da seleção para qual torcem, podem passar a ter problemas físicos e mentais, como desânimo, cansaço, dificuldade para dormir e dores musculares. Trata-se de sintomas típicos de quem se entregou emocionalmente a um evento que chegou ao fim: é a depressão pós-Copa.

Pessoas mais vulneráveis — O problema pode ser provocado tanto por uma frustração muito grande no Mundial, caso dos brasileiros na semifinal, quanto pelo simples fato de o evento ter acabado. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA afirmam que, entre as pessoas mais vulneráveis à "depressão pós-Copa", estão aquelas que se envolveram de forma muito intensa com a competição, que mudaram radicalmente sua rotina por causa do evento ou que são mais ansiosas normalmente.

"A Copa do Mundo é um evento que provoca muito stress, positivo e negativo. A competição mobiliza uma grande parte do país e faz com que as pessoas depositem muita expectativa em apenas onze jogadores", diz Ricardo Monezi, psicobiólogo e professor do Instituto de Medicina Comportamental da Unifesp.

O stress negativo e o positivo têm efeitos fisiológicos semelhantes: elevam a produção de hormônios como adrenalina e cortisol, que podem aumentar a pressão arterial e acelerar os batimentos cardíacos. Derrotas e grandes frustrações intensificam esses efeitos. Com isso, algumas pessoas podem demorar mais para se recuperar após uma partida tensa, pois continuam a produzir esses hormônios até 72 horas depois do jogo. "Além disso, a expectativa, antes positiva, pode se transformar em tristeza, ansiedade ou até depressão, e as pessoas precisam trabalhar esse sentimento de perda de uma maneira cuidadosa", diz.

O fim — O encerramento da Copa do Mundo pode abalar o emocional dos torcedores por dois motivos, como explica a psicóloga Ana Maria Rossi, e presidente da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), associação internacional dedicada à pesquisa sobre o stress.

O primeiro deles está no fato de toda a euforia e novidade trazida pela Copa do Mundo chegar ao fim, e a rotina das pessoas voltar a ser como antes. "É o que chamamos de síndrome do lazer, que pode acontecer no retorno ao trabalho após o fim de uma viagem, por exemplo. Com o fim do Mundial, as pessoas vão sentir falta da nova rotina que criaram, de socializarem com outras pessoas e de sentirem diferentes emoções de forma mais intensa, como a felicidade em ver seu time ganhar", diz. Ana Maria.

Segundo a psicóloga, essas consequências podem acometer, sobretudo, pessoas que não são emocionalmente estimuladas, cuja vida se resume ao trabalho ou que não costumam socializar com amigos — mas que, com o Mundial, mudaram esses comportamentos. "Existe um perigo de elas descontarem o vazio que vem com o fim do evento com o uso de medicamentos, consumo de bebida alcoólica ou ingestão excessiva de alimentos calóricos." Ana Maria explica que os sintomas depressivos da síndrome do lazer podem durar até doze dias.

Controle emocional — O segundo motivo pelo qual o fim da Copa do Mundo pode ter efeitos negativos sobre a saúde é o fato de muitas pessoas, durante os jogos de futebol, controlarem suas emoções para que consigam assistir às partidas e torcer pela sua seleção. Em situações como essas, é comum que todos os problemas relacionados à tensão e ao stress apareçam depois que o evento acaba — o que caracteriza, segundo Ana Maria, a síndrome do 'let down'.

"Ela pode acontecer, por exemplo, após um dia de trabalho muito intenso ou depois que uma pessoa acaba de organizar o seu casamento. O individuo precisa controlar as suas emoções para concluir sua tarefa e, quando ela acaba, é como se descarregasse toda a ansiedade e tensão que sentiu", diz a psicóloga. Dores musculares, nas costas e de cabeça, além de cansaço excessivo, são sintomas dessas situações.

Solução — Algumas medidas podem preencher o sentimento de vazio que permanecerá depois da Copa. "As pessoas que sentirem isso devem reavaliar suas rotinas. Elas podem se esforçar mais para se encontrar com os amigos ou então cultivar interesse por outras modalidades esportivas. Aquelas que se interessaram por futebol apenas agora podem passar a acompanhar outros campeonatos, ou então a praticar uma atividade física. Criar novos passatempos também é recomendado", diz Ana Maria.

Oito sintomas de depressão



O principal sintoma da depressão é o humor deprimido, que pode envolver sentimentos como tristeza, indiferença e desânimo. Todos esses sentimentos são naturais do ser humano e nem sempre são sinônimo de depressão, mas, se somados a outros sintomas da doença e persistirem na maior parte do dia por ao menos duas semanas, podem configurar um quadro de depressão clínica. “O humor deprimido faz com que a pessoa passe a enxergar o mundo e a si mesma de forma negativa e infeliz. Mesmo se acontece algo de bom em sua vida, ela vai dar mais atenção ao aspecto ruim do evento. Com isso, o paciente tende a se sentir incapaz e sua autoestima diminui”, diz o psiquiatra Rodrigo Leite, do Instituto de Psiquiatria da USP.



Perder o interesse por atividades que antes eram prazerosas é outro sintoma importante da depressão. O desinteresse pode acontecer em diferentes aspectos da vida do indivíduo, como no âmbito familiar, profissional e sexual, além de atividades de lazer, por exemplo. “O paciente também pode abrir mão de projetos por achar que eles já não valem mais o esforço, deixar de conquistar novos objetivos ou de aproveitar oportunidades que podem surgir em sua vida”, diz o psiquiatra Rodrigo Leite.



Pessoas com depressão podem passar a dormir durante mais ou menos tempo do que o de costume. É comum que apresentem problemas como acordar no meio da noite e ter dificuldade para voltar a dormir ou sonolência excessiva durante a noite ou o dia. 



Pessoas com depressão podem apresentar uma perda ou aumento do apetite — passando a consumir muito açúcar ou carboidrato, por exemplo. Segundo o psiquiatra Rodrigo Leite, não está claro o motivo pelo qual isso acontece, mas sabe-se que, somado a outros sintomas da doença, a alteração do apetite que persiste por no mínimo duas semanas aumenta as chances de um paciente ser diagnosticado com depressão.



Mudanças significativas de peso podem ser uma consequência da alteração do apetite provocada pela depressão — por isso, são consideradas como um dos sintomas da doença. 



Em muitos casos, a depressão também pode prejudicar a capacidade de concentração, raciocínio e tomada de decisões. Com isso, o indivíduo perde o rendimento no trabalho ou nos estudos. Segundo a psiquiatra Mara Maranhão, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a depressão pode impedir que o paciente trabalhe ou estude, ou então faz com que ele precise se esforçar muito para conseguir concluir determinada atividade.



Diminuição de energia, cansaço frequente e fadiga são comuns em pessoas com depressão, mesmo quando elas não realizaram esforço físico. "O indivíduo pode queixar-se, por exemplo, de que se lavar e se vestir pela manhã é algo exaustivo e pode levar o dobro do tempo habitual", segundo o capítulo sobre depressão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), feito pela Associação Americana de Psiquiatria.



Em casos mais graves, pessoas com depressão podem apresentar pensamentos recorrentes sobre morte, ideação suicida ou até tentativas de suicídio. A frequência e intensidade dessas ideias podem mudar de acordo com cada paciente. "As motivações para o suicídio podem incluir desejo de desistir diante de um obstáculo tido como insuperável ou intenso desejo de acabar com um estado emocional muito doloroso", de acordo com o DSM-5.

Fonte: Veja


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