O governo de Dilma teme que os protestos, dos quais os mais
recentes vêm adotando o slogan ‘Não vai ter Copa', possam prejudicar a
competição
As forças de segurança brasileiras estão usando agentes à
paisana, interceptando e-mails e monitorando rigorosamente a mídia social para
tentar garantir que protestos violentos contra o governo não arruínem a Copa do
Mundo, disseram autoridades à Reuters.
As manifestações realizadas nos últimos meses têm sido muito
menores do que as de junho passado, quando o Brasil sediou a Copa das
Confederações - torneio de preparação para a Copa -, o que abalou o governo da
presidente Dilma Rousseff e contribuiu para a desaceleração da economia.
Mas os protestos ainda desencadeiam atos de vandalismo
contra bancos e a paralisação de partes de grandes cidades porque um grupo mais
duro, de talvez alguns milhares de manifestantes em todo o país, se confronta
com a polícia, incluindo alguns usando máscaras e autodenominados "black
blocs".
O governo de Dilma teme que os protestos, dos quais os mais
recentes vêm adotando o slogan ‘Não vai ter Copa', possam prejudicar gravemente
a competição, que começa em 12 de junho em São Paulo e termina com a partida
final em 13 de julho, no Rio de Janeiro.
Imagens frequentes de vitrines estilhaçadas de lojas,
turistas assustados e policiais e manifestantes feridos - fatos já ocorridos -
poderiam manchar um evento que vai atrair um número estimado em 600.000
visitantes estrangeiros e tem a meta de mostrar a ascensão do Brasil como
potência mundial. Estão sendo organizadas manifestações em todas as 12 cidades
nas quais haverá partidas.
A recente fragilidade da economia brasileira, mais a eleição
presidencial de outubro, na qual Dilma concorrerá a um segundo mandato,
aumentam ainda mais os riscos.
A assessoria de imprensa da Secretaria Extraordinária de
Segurança para Grandes Eventos (Sesge), uma divisão do Ministério da Justiça
encarregada da segurança na Copa do Mundo, encaminhou perguntas sobre
iniciativas de vigilância para o Ministério da Defesa, que não quis fazer
comentários.
Mas autoridades descreveram, sob condição de manterem o
anonimato, uma vigilância crescente e generalizada a pessoas que integram o
Black Bloc, cuja extensão ainda não tinha sido divulgada pela imprensa.
Além de monitorar as comunicações do grupo no Facebook e
outras mídias sociais, agentes da inteligência se infiltraram no movimento e
passaram informações para a polícia antes e durante recentes manifestações,
disseram dois funcionários.
As autoridades também vêm usando tecnologia avançada para
localizar os computadores de manifestantes violentos e ter acesso às suas
comunicações, com a finalidade de identificar líderes e monitorar suas
atividades, afirmou um funcionário.
Os funcionários enfatizaram que tais esforços não estão
sendo direcionados à população brasileira em geral, mas aos membros de grupos
violentos. Eles não quiseram especificar quais agências ou forças policiais
estão realizando a vigilância nem dar mais detalhes sobre como a informação
está sendo usada.
As táticas refletem a crença do governo Dilma de que, ao
contrário das manifestações em grande parte pacíficas do ano passado, os black
blocs são um problema criminal e devem ser tratados como tal.
"No ano passado todo mundo pensou que isto era os anos
1960. Mas agora é apenas Seattle", disse um alto funcionário, referindo-se
aos famosos protestos que se tornaram violentos na reunião da Organização
Mundial do Comércio em 1999.
ORIGEM INTERNACIONAL
A vigilância corre o risco de provocar um mal-estar em um
país com más lembranças da ditadura militar de 1964-1985, que espionava
intensamente esquerdistas suspeitos, incluindo a própria Dilma, na época,
integrante de um grupo guerrilheiro marxista.
O secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo,
Fernando Grella Vieira, não quis fazer comentários sobre os procedimentos da
área de inteligência, mas disse que as forças de segurança "respeitam completamente
o direito das pessoas protestarem em paz".
"Nós estamos agindo para garantir a segurança das
pessoas contra aqueles que buscam a violência", afirmou Grella. Um
protesto em São Paulo em 25 de janeiro foi um vívido exemplo do tipo de
desordem que poderia potencialmente estragar a Copa do Mundo.
Depois de um protesto pacífico de cerca de 1.500 pessoas,
algumas dezenas de manifestantes se separaram e bloquearam grandes avenidas,
provocaram incêndios e tentaram virar um carro de polícia.
Quando a polícia perseguiu um grupo de manifestantes dentro
do saguão de um hotel, houve pânico entre os hóspedes, dos quais alguns
receberam ordens para se sentar no chão enquanto os agentes tentavam
identificar os manifestantes e prendê-los, de acordo com a mídia local. Outros
hóspedes, amedrontados, se refugiaram em seus quartos.
Os manifestantes, e aqueles que os estudam, dizem que tais
incidentes têm sido agravados pela resposta do governo - que, segundo eles, não
entende fundamentalmente do que se trata o movimento.
Os black blocs são um fenômeno internacional, tendo
aparecido pela primeira vez na Europa nos anos 1980 durante protestos contra a
energia nuclear e outras questões. Alguns acadêmicos os comparam aos
anarquistas do início do século 20, observando o papel-chave que tiveram nas
manifestações antiglobalização, como a de 1999, em Seattle.
Em alguns casos, os grupos não têm líderes e são desprovidos
de qualquer organização, unindo-se somente pelas táticas e a maneira de se
vestir - em geral, inteiramente de preto. Em outros há alguma coordenação.
Em São Paulo, os black blocs têm um tempero local. Os
aderentes são predominantemente homens com idades entre 15 e 23 anos, egressos
da nova classe média baixa que floresceu quando a economia do Brasil cresceu na
década passada, disse o professor Rafael Alcadipani, da escola de negócios da
Fundação Getúlio Vargas, que estuda o grupo e entrevistou seus membros.
Esse grupo demográfico deu grandes saltos em consumo e pôde
pela primeira vez adquirir máquinas de lavar, TVs de tela plana e outras
mercadorias. Mas a maioria deles sofre com a má qualidade do sistema de saúde,
escolas públicas ruins e longas jornadas no transporte, já que o governo não
foi capaz de equilibrar a renda crescente deles - e as expectativas - com
serviços melhores.
Os black blocs "acreditam que o sistema político
brasileiro está quebrado e não os representa", disse Alcadipani.
ESPERANDO NOVOS PROTESTOS
Uma black bloc que disse apenas chamar-se Ana afirmou que
muitos membros acreditam que o vandalismo é o único meio de atrair a atenção da
mídia para os seus pontos de vista.
"É um grupo extremamente diverso, mas a única coisa que
nos une é a crença em que não podemos aceitar silenciosamente o que os
políticos estão fazendo conosco", disse ela.
Em outubro, black blocs espancaram gravemente um coronel da
polícia, quebraram sua clavícula e roubaram sua pistola. Os manifestantes
alegam que a polícia de São Paulo também usa táticas brutais e citam os tiros
dados em um manifestante em 25 de janeiro. A polícia diz ter agido em
autodefesa.
O maior medo do governo é que o tamanho e a violência dos
protestos explodam novamente quando a Copa do Mundo começar.
Se isso vai acontecer é uma incógnita, já que depende de
fatores que variam da situação da economia ao desempenho da seleção brasileira.
Muitos acreditam que, se o Brasil for eliminado cedo, os brasileiros ficarão
menos ligados nos jogos e mais propensos a sair às ruas.
As táticas dos black blocs assustaram muita gente na classe
média, principal motivo que fez as manifestações encolherem e não conseguirem
reunir mais do que alguns milhares desde julho.
No entanto, se a polícia for muito longe na repressão, o
efeito poderá ser o oposto. Uma reação com mão pesada a pequenas manifestações
em junho passado enfureceu muita gente e foi um importante fator para que o
número de participantes nos protestos se multiplicasse na época.
Esse difícil equilíbrio ajuda a explicar por que as
autoridades estão ansiosas por abraçar ações de inteligência e outras novas
táticas.
Grella disse que a polícia estuda como outros países lidaram
com o Black Bloc. As próximas semanas verão a estreia de uma nova "Brigada
de Captura" da polícia uniformizada, sem armas de fogo, que será
encarregada de deter manifestantes violentos, disse ele.
Os esforços da polícia para prender manifestantes e
registrar seus nomes, e em alguns casos, indiciá-los, também produziram
resultados. A maioria dos cerca de 200 black blocs identificados pela polícia
em São Paulo não participou do protesto de 25 de janeiro por medo de ser
processada, disse Esther Solano, uma outra acadêmica que estuda o grupo.
No entanto, novos membros surgiram para tomar o seu lugar -
um mau presságio para os meses mais à frente."Enquanto o governo não
enfrentar as principais questões, as pessoas vão continuar protestando",
disse Alcadapini, o professor da FGV. "Nada mudou desde junho."
Fonte: Administradores
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