Há duas correntes: os que julgam quaisquer e-mails
protegidos contra fiscalização e os que permitem a fiscalização, pelo
empregador, do email corporativo, mas não do e-mail pessoal
O monitoramento de e-mails por parte dos empregadores é
prática cada vez mais comum no mundo empresarial e merece especial atenção da
doutrina, sobretudo diante do várias lides em que são requeridas indenizações
por danos morais decorrentes da violação à privacidade do empregado. Trata-se,
mais do que uma questão meramente teórica, de uma realidade no mundo
contencioso. Mas afinal, o empregador tem o direito de monitorar os e-mails de
seus colaboradores?
A controvérsia tem seus fundamentos
Com o desenvolvimento da internet e a globalização, o e-mail
se tornou ferramenta indispensável ao bom andamento das empresas, que criaram
e-mails corporativos que, no mundo virtual, substituíam as antigas cartas em
papel timbrado. Pesquisas indicam que 2014 começa com um fluxo de cerca de
duzentos e quarenta e quatro milhões de e-mails vinculados a empresas, com
expectativa de chegar a trezentos milhões ao final do ano.
Tal explosão do uso de e-mails e abandono das cartas em
papel timbrado foi motivado pela facilidade e agilidade, indispensáveis ao
ambiente corporativo moderno. Seguiu, também, a tendência de desmaterialização
e de atuação corporativa sustentável, princípios basilares de uma era que
abandona o desenvolvimentismo puro e abraça um desenvolvimento sustentável e
ecológico.
A migração do papel para o email ainda enfrenta a
resistência de alguns, mais apegados ao tato e ao carimbo, mas é inegável a
tendência pela virtualização, como atestam a ainda incipiente estruturação do
processo eletrônico (lei nº 11.419/06), a disseminação de equipamentos
eletrônicos que substituem os papéis (como os e-books) e a criação de
mecanismos digitais de autenticação de documentos, que substituem com idêntico
valor legal as assinaturas manuais.
Paralelamente, o boom econômico popularizou os computadores
pessoais, e o foco do e-mail foi migrando dos objetivos públicos estratégicos
(que remontam à sua gênese, na corrida tecnológica da Guerra Fria) a uma forma
de correspondência entre particulares.
A junção destas duas linhas evolutivas, criou a
controvérsia, já que trabalhadores passaram a ser, simultaneamente, titulares
de e-mails de uso pessoal e de uso corporativo. De um lado, alocavam-se os
e-mails genericamente na esfera do direito individual à privacidade e à intimidade.
Divergindo, outra corrente separava os e-mails em pessoais e corporativos, um
compondo o direito à privacidade e à intimidade e outro compondo o direito de
propriedade do empregador, submetidos ao seu poder diretivo.
A controvérsia se firma, assim, em duas correntes: os que
julgam quaisquer e-mails protegidos contra fiscalização e os que permitem a
fiscalização, pelo empregador, do email corporativo, mas não do e-mail pessoal.
Mas e o que diz a Lei?
A Carta Magna de 1988 consagra no artigo 5º a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada e o resguardo do sigilo da
correspondência como direito fundamental. Eis o argumento que levou parte dos
juristas a alocar os e-mails, indistintamente, como parte da “correspondência
inviolável”.
Já a corrente antagônica, atualmente majoritária, vê uma
barreira separando a vida profissional da estritamente privada. Agindo o
trabalhador em nome da empresa para a qual entrega sua força de trabalho,
extrapolaria a esfera de sua vida privada.
Isso sugere que a inviolabilidade garantida pela
Constituição limita-se à correspondência de uso pessoal, sob a qual não cabem
ingerências, mesmo se acessada pelo trabalhador em computador pertencente à
empresa e durante o horário de expediente. Já os e-mails corporativos, considerados
ferramentas de trabalho, não se inserem na vida privada do usuário.
Além do fundamento lógico, há outros de ordem legal. O mesmo
art. 5º consagra o direito à propriedade (caput) e à inviolabilidade da imagem
(inciso X). O art. 932, III, do Código Civil, por sua vez, obriga o empregador
a reparar danos causados por seus empregados no exercício do trabalho ou em
razão dele.
Assim, sendo o e-mail corporativo propriedade do empregador
e considerados os riscos de violação à imagem da empresa pelo seu uso
inadequado e a responsabilidade objetiva da empresa perante os atos de seus
empregados, é preciso retirar os e-mails corporativos do âmbito da vida
privada.
A jurisprudência trabalhista, orientada pelo Princípio
Protetivo e pela presunção de hipossuficiência do trabalhador, por certo tempo
relutou em adotar a divisão entre e-mails pessoais e profissionais.
Contudo, um importante Acórdão da 1ª Turma do Tribunal
Superior do Trabalho publicado em 10/06/2005 (RR61300-23.2000.5.10.0013), com
relatoria do Ministro João Oreste Dalazen, reconheceu que há de se separar os
e-mails pessoais (protegidos pela Constituição, em seu art. 5º, incisos V, X,
XII e LVI) dos e-mails corporativos.
O monitoramento de e-mail corporativo é, assim,
perfeitamente lícito, desde que respeitada a exigência de comunicação prévia da
finalidade estritamente profissional da ferramenta.
Costuma-se, assim, sugerir às empresas que constem dos
contratos de trabalho cláusula expressa em que dá ciência do caráter
eminentemente profissional dos e-mails corporativos e de sua sujeição a
monitoramentos de rotina.
É também aconselhável às empresas que se obstem de promover
monitoramentos direcionados e injustificados, pois tal conduta, apesar de
lícita, gera o risco de alegação de discriminação ou perseguição de
trabalhadores, que ensejaria indenização por outro motivo, diferente da
violação da privacidade. Fiscalizações genéricas e impessoais (ou, se
direcionadas a um colaborador específico, motivadas por suspeita razoavelmente
justificada) são mais adequadas, mormente em um ambiente jurídico que costuma
generalizar a má-fé e encarar indistintamente as empresas com olhares
suspeitos.
Fonte: Administradores
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