Quando a “burrocracia” do setor privado o torna mais
ineficiente que o público
Por mais que avancem e novos processos sejam implantados com
o objetivo de tornar os serviços estatais mais eficientes, eles não conseguirão
tão cedo se livrar da pecha (justa, diga-se de passagem) de excessivamente
burocráticos que conquistaram para si ao longo de séculos. O descalabro
histórico com a saúde pública, a péssima qualidade das ruas e estradas e os
esgotos que correm a céu aberto nas periferias do país, em pleno século XXI,
são apenas alguns dos motivos para tanto. No discurso dos liberais mais
apaixonados, a privatização resolve tudo. Ledo engano. O problema apenas muda
de mão.
A venda do setor de telecomunicações no Brasil para o setor
privado acelerou, de fato, o processo de modernização dos serviços no país.
Talvez, a antiga Telebras não tivesse conseguido mesmo chegar sozinha à era do
4G em 2014. Mas a divisão do trabalho entre, basicamente, meia dúzia de
operadoras não conseguiu elevar nosso sistema ao patamar em que deveria estar.
A telefonia móvel e os serviços de internet, por exemplo, são sofríveis e
caros. E as empresas, em alguns casos, têm procedimentos tão arcaicos quanto os
de uma repartição pública dos anos 1920.
Dois exemplos que venho acompanhando há algumas semanas são
emblemáticos e mostram como a burocracia excessiva não é um problema
necessariamente do Estado, mas está arraigada em boa parte das corporações,
apoiada principalmente na ausência de scripts eficientes e na falta de
autonomia dos funcionários para resolverem problemas simples.
“A culpa é do sistema”
Mudei de casa há cerca de duas semanas e solicitei à NET uma
mudança de endereço dos serviços que utilizo da empresa. No primeiro contato,
registraram meu novo endereço e disseram que em um prazo de, no máximo, 5 dias
úteis, eu receberia uma ligação da equipe técnica para agendar a instalação.
Acho muito, mas eu já sabia desse prazo e concordei normalmente.
Lá pelo terceiro dia, recebi uma ligação da empresa
informando que meu novo endereço ainda não estava ligado à sua rede de cabos e
que seria necessário fazer tal ligação. Um pedido para tanto iria ser passado
para a equipe de engenharia e até o tal quinto dia tudo seria resolvido. De
nada adiantou argumentar que tenho vizinhos no mesmo prédio com o serviço já em
funcionamento. Se no sistema não constava, é porque não havia ligação e pronto.
No dia seguinte, me ligaram pedindo o telefone do síndico,
para solicitar a instalação do cabeamento. Forneci. O síndico informou, então,
que o prédio já possui toda a parafernalha da empresa. Em um novo contato
comigo, os atendentes finalmente descobriram que existem nos registros da NET dois
endereços distintos para um mesmo prédio, um com número e outro sem. Eu, então,
certo de que o problema estava resolvido, sugeri: “então coloca aí meu
apartamento no endereço que tem o sistema instalado e está resolvido”. Quem
dera.
“Senhor, nosso sistema não aceita transferir seu antigo
endereço para o novo sem número. E o que consta em nosso sistema com o
cabeamento instalado é o sem número”, foi a resposta que ouvi. E não adiantou
pedir à atendente para refletir: “Moça, se esse prédio sem número está com
cabos e tem clientes utilizando o serviço nele, não está óbvio que é uma falha
besta do sistema de vocês? O prédio existe, tem clientes de vocês morando nele.
Por que o meu endereço não pode passar a ser esse também?”. Ela respondeu:
“Senhor, reconhecemos que é um problema da NET e vamos resolvê-lo. Peço que
aguarde um novo contato”. Já se passaram três dias e hoje vou para o ultimato:
ou transfere ou vou cancelar. Aguardemos.
“Temos que seguir as instruções”
Outro caso é com a GVT. Um amigo descobriu que estava
pagando o dobro do preço pela metade do serviço. Resolveu, então, fazer contato
com a empresa, que prontamente lhe atendeu e registrou o pedido de alteração do
plano, sem criar problemas. Até porque os problemas viriam mesmo depois.
Cerca de três dias depois do pedido de alteração, o primeiro
técnico apareceu lá no escritório do meu amigo. “Senhor, vim fazer seu serviço.
Posso dar uma olhada nas instalações?” Depois de um tempo: “Senhor, percebi
aqui que seu prédio não possui antena da GVT. Será necessário que o senhor
ligue para o atendimento e agende uma nova visita, pedindo a instalação da
antena”.
Com a experiência de quem já havia aguardado um mês por uma
instalação dessas da GVT, meu amigo concordou sem criar caso. E assim o fez.
Alguns dias depois, recebeu a visita de uma nova equipe, que finalmente
conseguiu fazer a instalação. Mas... Antes de tudo, o técnico advertiu: senhor,
eu só instalo a TV. A internet será instalada por outra equipe que virá até o
final da semana. Ah, e preciso ligar para a central solicitando autorização
para instalar o cabeamento externo, pois seu prédio não tem tubulação interna
para levarmos o fio da sua TV até a antena.
E aguardemos o rapaz da internet.
Dorival vai resolver o problema
Para encarar a burocracia, seja ela pública ou privada, todo
brasileiro precisa acabar sendo um pouco Dorival, o detento que protagoniza o
curta-metragem de Jorge Furtado “O dia em que Dorival encarou o guarda” (veja
abaixo). É difícil criticar o famoso “jeitinho brasileiro” quando se sabe que
ele, muitas vezes, é a única maneira de fazer a roda girar. O brasileiro ainda
precisa amadurecer como consumidor e utilizar melhor as ferramentas que existem
a seu favor: Procons, juizados de pequenas causas, Reclame Aqui e afins,
Facebook, Twitter ou um carro de som na porta da empresa advertindo os clientes
que chegam sobre a possibilidade de entrar em uma roubada.
Fonte: Administradores
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