terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Estaremos transferindo seu problema, senhor

Quando a “burrocracia” do setor privado o torna mais ineficiente que o público




Por mais que avancem e novos processos sejam implantados com o objetivo de tornar os serviços estatais mais eficientes, eles não conseguirão tão cedo se livrar da pecha (justa, diga-se de passagem) de excessivamente burocráticos que conquistaram para si ao longo de séculos. O descalabro histórico com a saúde pública, a péssima qualidade das ruas e estradas e os esgotos que correm a céu aberto nas periferias do país, em pleno século XXI, são apenas alguns dos motivos para tanto. No discurso dos liberais mais apaixonados, a privatização resolve tudo. Ledo engano. O problema apenas muda de mão.

A venda do setor de telecomunicações no Brasil para o setor privado acelerou, de fato, o processo de modernização dos serviços no país. Talvez, a antiga Telebras não tivesse conseguido mesmo chegar sozinha à era do 4G em 2014. Mas a divisão do trabalho entre, basicamente, meia dúzia de operadoras não conseguiu elevar nosso sistema ao patamar em que deveria estar. A telefonia móvel e os serviços de internet, por exemplo, são sofríveis e caros. E as empresas, em alguns casos, têm procedimentos tão arcaicos quanto os de uma repartição pública dos anos 1920.

Dois exemplos que venho acompanhando há algumas semanas são emblemáticos e mostram como a burocracia excessiva não é um problema necessariamente do Estado, mas está arraigada em boa parte das corporações, apoiada principalmente na ausência de scripts eficientes e na falta de autonomia dos funcionários para resolverem problemas simples.

“A culpa é do sistema”

Mudei de casa há cerca de duas semanas e solicitei à NET uma mudança de endereço dos serviços que utilizo da empresa. No primeiro contato, registraram meu novo endereço e disseram que em um prazo de, no máximo, 5 dias úteis, eu receberia uma ligação da equipe técnica para agendar a instalação. Acho muito, mas eu já sabia desse prazo e concordei normalmente.

Lá pelo terceiro dia, recebi uma ligação da empresa informando que meu novo endereço ainda não estava ligado à sua rede de cabos e que seria necessário fazer tal ligação. Um pedido para tanto iria ser passado para a equipe de engenharia e até o tal quinto dia tudo seria resolvido. De nada adiantou argumentar que tenho vizinhos no mesmo prédio com o serviço já em funcionamento. Se no sistema não constava, é porque não havia ligação e pronto.

No dia seguinte, me ligaram pedindo o telefone do síndico, para solicitar a instalação do cabeamento. Forneci. O síndico informou, então, que o prédio já possui toda a parafernalha da empresa. Em um novo contato comigo, os atendentes finalmente descobriram que existem nos registros da NET dois endereços distintos para um mesmo prédio, um com número e outro sem. Eu, então, certo de que o problema estava resolvido, sugeri: “então coloca aí meu apartamento no endereço que tem o sistema instalado e está resolvido”. Quem dera.

“Senhor, nosso sistema não aceita transferir seu antigo endereço para o novo sem número. E o que consta em nosso sistema com o cabeamento instalado é o sem número”, foi a resposta que ouvi. E não adiantou pedir à atendente para refletir: “Moça, se esse prédio sem número está com cabos e tem clientes utilizando o serviço nele, não está óbvio que é uma falha besta do sistema de vocês? O prédio existe, tem clientes de vocês morando nele. Por que o meu endereço não pode passar a ser esse também?”. Ela respondeu: “Senhor, reconhecemos que é um problema da NET e vamos resolvê-lo. Peço que aguarde um novo contato”. Já se passaram três dias e hoje vou para o ultimato: ou transfere ou vou cancelar. Aguardemos.

“Temos que seguir as instruções”

Outro caso é com a GVT. Um amigo descobriu que estava pagando o dobro do preço pela metade do serviço. Resolveu, então, fazer contato com a empresa, que prontamente lhe atendeu e registrou o pedido de alteração do plano, sem criar problemas. Até porque os problemas viriam mesmo depois.

Cerca de três dias depois do pedido de alteração, o primeiro técnico apareceu lá no escritório do meu amigo. “Senhor, vim fazer seu serviço. Posso dar uma olhada nas instalações?” Depois de um tempo: “Senhor, percebi aqui que seu prédio não possui antena da GVT. Será necessário que o senhor ligue para o atendimento e agende uma nova visita, pedindo a instalação da antena”.

Com a experiência de quem já havia aguardado um mês por uma instalação dessas da GVT, meu amigo concordou sem criar caso. E assim o fez. Alguns dias depois, recebeu a visita de uma nova equipe, que finalmente conseguiu fazer a instalação. Mas... Antes de tudo, o técnico advertiu: senhor, eu só instalo a TV. A internet será instalada por outra equipe que virá até o final da semana. Ah, e preciso ligar para a central solicitando autorização para instalar o cabeamento externo, pois seu prédio não tem tubulação interna para levarmos o fio da sua TV até a antena.

E aguardemos o rapaz da internet.

Dorival vai resolver o problema

Para encarar a burocracia, seja ela pública ou privada, todo brasileiro precisa acabar sendo um pouco Dorival, o detento que protagoniza o curta-metragem de Jorge Furtado “O dia em que Dorival encarou o guarda” (veja abaixo). É difícil criticar o famoso “jeitinho brasileiro” quando se sabe que ele, muitas vezes, é a única maneira de fazer a roda girar. O brasileiro ainda precisa amadurecer como consumidor e utilizar melhor as ferramentas que existem a seu favor: Procons, juizados de pequenas causas, Reclame Aqui e afins, Facebook, Twitter ou um carro de som na porta da empresa advertindo os clientes que chegam sobre a possibilidade de entrar em uma roubada.



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