Maurício Louzada conta como foi a experiência de ter ficado
preso tanto tempo em uma caverna e todos os aprendizados que adquiriu dessa
situação
Era maio de 1998. Mais precisamente, domingo de Dia das
Mães. Maurício resolveu, junto com cinco amigos, fazer um passeio atípico para
a maioria: explorar cavernas. O objetivo era fazer uma rápida visita em uma no
interior de São Paulo. Inicialmente, a ideia do grupo era apenas explorar
alguns salões, mas a empolgação foi tomando conta e eles resolveram ir a
trechos mais longes, que não eram abertos ao público.
O que era para ser um belo passeio virou um pesadelo. Em
pouco tempo perceberam que estavam perdidos. Como tinham pouca iluminação,
comida e não avisaram a ninguém que estavam ali, a única alternativa era
procurar o caminho de volta.
Depois desta intensa vivência que durou 44 horas entre a
chegada e a busca pela saída da caverna, Maurício Louzada decidiu mudar o modo
de lidar com muitas situações, sejam elas na vida ou na própria carreira. E
mais do que isso, encontrou nessa experiência uma forma de repassar lições para
outras pessoas sobre pontos refletidos que podem ser aplicadas até no ambiente
corporativo. Esta analogia, inclusive, entre o que viveu na Caverna, a vida e o
ambiente corporativo virou o livro “Pra Valer”.
Conversamos com o Maurício que
compartilhou alguns dos momentos vividos na caverna e essa relação com a
Administração. Confira:
Chamou bastante atenção você ter uma experiência negativa em
uma caverna e extrair lições para o mundo dos negócios. Você pode, primeiro,
nos contar mais detalhes do que aconteceu na caverna?
Na época eu tinha 24 anos e fazia seis anos que eu já
praticava espeleologia, exploração de caverna. Mas naquele dia, 10 de maio, meu
grupo e eu resolvemos ir a uma área restrita das cavernas. Só podia visitar com
uma orientação, um guia e a gente não tinha essa orientação. Ainda sim,
resolveu visitar. Então fomos para essa área restrita, em um salão específico
que queríamos chegar e descobrimos que havia uma continuação. Quando fomos para
essa segunda área de continuação, essa parte era praticamente um labirinto, ela
é até conhecida como queijo suíço. Nos embrenhamos por lá e começamos a
explorar, porém, quando voltávamos, percebíamos que toda hora nós passávamos
pelo mesmo lugar e nunca encontrávamos o caminho para sair dessa caverna. Ali
começamos a ter os primeiros aprendizados – e que hoje eu trago para um mundo
corporativo.
Por exemplo?
Buscar a culpa quando alguma coisa dá errado. Nós gastamos
muita energia procurando o culpado. Depois fomos verificando que não havia um
planejamento para essa situação. Houve várias situações que uma corda ajudaria
bastante a acharmos à direção da saída. Tinha hora, por exemplo, que
encontrávamos penhascos de 30 metros, que sabíamos que nos levaria mais próximo
do rio e onde seria o caminho para a saída. Mas não tínhamos uma corda para
descer em nosso equipamento, pois não houve planejamento.
Enfim, nós ficamos nessa área por um tempo grande e inúmeras
vezes nos deparamos com túneis sem saída, com abismos que não poderiam ser
vencidos. Só quando percebemos que das cinco pessoas que estavam ali, cada uma
possuía especialidades que poderiam ser usadas pelo grupo, nós descobrimos
caminhos que poderiam ser mais viáveis para a nossa saída.
Quais eram essas especialidades?
Por exemplo, nós tínhamos um geólogo no grupo e antes não
estávamos usando o conhecimento dele no que diz respeito à direção da brisa,
umidade do solo. Não estávamos sintonizados com uma equipe. E quando cada um
começou a assumir o seu papel no grupo, com suas melhores características,
começamos a traçar um plano para sair daquela situação. A estratégia básica que
utilizamos era a seguinte: nós estávamos em uma parte superior da caverna e do
outro lado tinha um rio. Então, o que pensamos: ‘se nós chegarmos ao rio, basta
seguir o curso da água, que essa água chegará na boca da caverna’.
E realmente encontramos o rio, mas para seguir era preciso
entrar nele. Porém, água de caverna é muito fria e pensamos o seguinte: “se nós
entrarmos no rio estaremos acionando uma bomba relógio”. Porque se não
saíssemos da caverna em 10h/12h após a entrada no rio, o risco de entrar em um
processo de hipotermia e morrer com isso seria muito grande. Então, tivemos que
fazer uma análise desse risco, medir esse risco e concluímos que valia a pena
entrar nessa água. Porém, o pior estava por vir.
Andando nessa água nós percebemos em um determinado momento
que havia trechos sanfonados. Ou seja, o teto baixou, encostou na água e formou
um túnel. Para continuar só tinha um jeito: mergulhar nele, sem ar para
respirar, sem nenhuma lanterna – já que não acendia de baixo da água -, e sem a
certeza do tamanho do túnel. Nós passamos por essa experiência, atravessamos o
túnel. Do outro lado, as lanternas acabaram e ficamos duas horas na escuridão
total, com a sorte de estar tão próximo da boca, que quando o sol nasceu vimos
à direção da saída. E assim, conseguimos sair. Esse é um rápido resumo das 44
horas que passamos.
Você citou o geólogo e a ajuda dele. O trabalho em equipe,
então, foi fundamental?
Foi fundamental. Uma coisa que acabo dizendo muito nas
palestras que faço é o seguinte: “muitas vezes, as empresas têm as pessoas
certas, mas as pessoas certas não estão nos lugares certos. Ou muitas vezes o
conhecimento das pessoas certas não é utilizado de maneira adequada”. Cabe a
uma pessoa que comanda uma equipe, que consiga gerenciar as potencialidades das
pessoas e colocá-las nos lugares certos.
Às vezes é descobrir, com o passar do tempo, que essas
pessoas têm potencialidades que muitas vezes nem elas conhecem. E a gente
enquanto administrador tem que ter essa visão: de colocar as pessoas e
descobrir as potencialidades dela. Então, o trabalho de equipe foi fundamental.
Chegou em um momento lá que ninguém falava com ninguém, todo mundo estressado um
com o outro. E só quando a gente descobriu que poderia somar as diversas
características de cada um, começamos a ter uma estratégia para sair da
caverna.
Você acabou de citar um ponto que gostaria de perguntar: a
motivação. Como vocês lidaram com isso? Afinal é normal bater uma angústia
nesse momento.
Dentro de uma caverna o seu instinto de sobrevivência faz
você agir. Você precisa fazer alguma coisa senão você vai morrer ali. Quando eu
conto essa narrativa, as pessoas não tem noção de quanto é desesperador você
não ter a certeza que verá a luz do sol. Então, o instinto de sobrevivência é
uma forte motivação. Porém, no dia a dia, a gente pode escolher parar.
Por exemplo: depois de andar 27 horas na caverna, nós
voltamos para o mesmo ponto onde nós tínhamos chegado quando percebemos que
estávamos perdidos. Ou seja, 27 horas andando e você nota que está no mesmo
lugar. Dentro de uma caverna você não pode dizer: “Ah, agora vou parar”. Mas na
vida muitas vezes as pessoas podem. E buscar essa motivação de dizer: “olha, é
mais fácil parar, mas eu vou continuar” é uma coisa que tem que vir de dentro.
Você tem que ter um objetivo claro. É preciso ter uma missão declarada, uma
missão pessoal.
Para a gente, lá, era muito claro a nossa missão: sair da
caverna para sobreviver. Mas às vezes uma pessoa trabalha uma vida inteira e
não sabe o porque está trabalhando. Acredito que a motivação começa por aí, em
responder essa pergunta: “por que eu saio da minha cama às seis da manhã e fico
trabalhando o dia inteiro?”. Porque você tem que ter alguma coisa para estar
construindo. Buscar esse objetivo, que na nossa analogia era a saída da
caverna, é essencial para essa motivação.
E quando surgiu esse start para contar essa história e
envolver o mundo corporativo?
Eu comecei a fazer palestra para outros exploradores de
cavernas para que eles não cometessem os meus erros que cometemos. Porém, eu
comecei a perceber que existiam vários elementos que poderiam ser aplicados em
pessoas que não exploravam cavernas. Por exemplo, a própria questão do trabalho
em equipe. E aí, uma vez, um amigo convidou para eu contar essa história na
empresa do pai dele. E quando fiz isso, eu comecei a perceber o quanto isso
tinha de aplicação e comecei a fazer essas analogias.
O que você destaca como maior aprendizado dessa experiência?
Que todos nós vamos passar por situações difíceis, seja na
vida, numa caverna, em uma empresa. A gente vai ter desafios para enfrentar e a
forma como vamos encarar essas dificuldades é o que vai determinar se no final
do processo a gente sairá com um aprendizado ou não.
Das cinco pessoas que estavam nessa experiência, eu posso
garantir que duas tiveram um aprendizado forte e aplicaram isso na vida. As
outras três viram isso como uma catástrofe. O que eu quero dizer com isso é que
todos nós vamos passar por dificuldades, um empresário terá momentos que dirá
como está difícil, mas aprender com isso, e pegar essas experiências para que
ela lhe impulsione para o futuro é o que vai fazer a diferença.
E você já voltou a uma caverna depois de tudo isso?
Voltei.
E como foi?
Eu voltei várias vezes em outras cavernas. Para essa mesma
caverna eu fui novamente uma única vez. É claro que visitar essa caverna foi um
pouco traumático, pois a gente acaba revivendo tudo isso, mas por outro lado,
eu sempre digo: “aquilo que lhe amedronta é aquilo que você deve enfrentar”.
Então, você tem que encarar seus medos para se tornar maior do que eles. Quando
a gente tem um receio e viramos as costas para esse medo, a tendência é que ele
fique maior. Visitamos outras cavernas, claro, com muito mais cuidado.
E planejamento maior...
Exato, e planejamento. Essa questão do planejamento eu acho
fundamental. No fundo, se tivéssemos um pequeno planejamento, por menor que ele
fosse, poderíamos ter saído daquela situação muito antes das 44 horas. Muita gente
até pergunta para mim: “Maurício, mas por que vocês não estavam de corda?”.
Pois a gente ia para uma área que não precisava de corda. A questão é que a
gente esquece de planejar o imprevisível. E o imprevisível, de alguma forma,
pode ser planejado. Seja através de um plano B ou plano C.
Fonte: Administradores
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo participação!