quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

As lições sobre Administração de quem ficou perdido 44 horas em uma caverna

Maurício Louzada conta como foi a experiência de ter ficado preso tanto tempo em uma caverna e todos os aprendizados que adquiriu dessa situação




Era maio de 1998. Mais precisamente, domingo de Dia das Mães. Maurício resolveu, junto com cinco amigos, fazer um passeio atípico para a maioria: explorar cavernas. O objetivo era fazer uma rápida visita em uma no interior de São Paulo. Inicialmente, a ideia do grupo era apenas explorar alguns salões, mas a empolgação foi tomando conta e eles resolveram ir a trechos mais longes, que não eram abertos ao público.

O que era para ser um belo passeio virou um pesadelo. Em pouco tempo perceberam que estavam perdidos. Como tinham pouca iluminação, comida e não avisaram a ninguém que estavam ali, a única alternativa era procurar o caminho de volta.

Depois desta intensa vivência que durou 44 horas entre a chegada e a busca pela saída da caverna, Maurício Louzada decidiu mudar o modo de lidar com muitas situações, sejam elas na vida ou na própria carreira. E mais do que isso, encontrou nessa experiência uma forma de repassar lições para outras pessoas sobre pontos refletidos que podem ser aplicadas até no ambiente corporativo. Esta analogia, inclusive, entre o que viveu na Caverna, a vida e o ambiente corporativo virou o livro “Pra Valer”.

Conversamos com o Maurício que compartilhou alguns dos momentos vividos na caverna e essa relação com a Administração. Confira:

Chamou bastante atenção você ter uma experiência negativa em uma caverna e extrair lições para o mundo dos negócios. Você pode, primeiro, nos contar mais detalhes do que aconteceu na caverna?

Na época eu tinha 24 anos e fazia seis anos que eu já praticava espeleologia, exploração de caverna. Mas naquele dia, 10 de maio, meu grupo e eu resolvemos ir a uma área restrita das cavernas. Só podia visitar com uma orientação, um guia e a gente não tinha essa orientação. Ainda sim, resolveu visitar. Então fomos para essa área restrita, em um salão específico que queríamos chegar e descobrimos que havia uma continuação. Quando fomos para essa segunda área de continuação, essa parte era praticamente um labirinto, ela é até conhecida como queijo suíço. Nos embrenhamos por lá e começamos a explorar, porém, quando voltávamos, percebíamos que toda hora nós passávamos pelo mesmo lugar e nunca encontrávamos o caminho para sair dessa caverna. Ali começamos a ter os primeiros aprendizados – e que hoje eu trago para um mundo corporativo.

Por exemplo?

Buscar a culpa quando alguma coisa dá errado. Nós gastamos muita energia procurando o culpado. Depois fomos verificando que não havia um planejamento para essa situação. Houve várias situações que uma corda ajudaria bastante a acharmos à direção da saída. Tinha hora, por exemplo, que encontrávamos penhascos de 30 metros, que sabíamos que nos levaria mais próximo do rio e onde seria o caminho para a saída. Mas não tínhamos uma corda para descer em nosso equipamento, pois não houve planejamento.

Enfim, nós ficamos nessa área por um tempo grande e inúmeras vezes nos deparamos com túneis sem saída, com abismos que não poderiam ser vencidos. Só quando percebemos que das cinco pessoas que estavam ali, cada uma possuía especialidades que poderiam ser usadas pelo grupo, nós descobrimos caminhos que poderiam ser mais viáveis para a nossa saída.

Quais eram essas especialidades?

Por exemplo, nós tínhamos um geólogo no grupo e antes não estávamos usando o conhecimento dele no que diz respeito à direção da brisa, umidade do solo. Não estávamos sintonizados com uma equipe. E quando cada um começou a assumir o seu papel no grupo, com suas melhores características, começamos a traçar um plano para sair daquela situação. A estratégia básica que utilizamos era a seguinte: nós estávamos em uma parte superior da caverna e do outro lado tinha um rio. Então, o que pensamos: ‘se nós chegarmos ao rio, basta seguir o curso da água, que essa água chegará na boca da caverna’.

E realmente encontramos o rio, mas para seguir era preciso entrar nele. Porém, água de caverna é muito fria e pensamos o seguinte: “se nós entrarmos no rio estaremos acionando uma bomba relógio”. Porque se não saíssemos da caverna em 10h/12h após a entrada no rio, o risco de entrar em um processo de hipotermia e morrer com isso seria muito grande. Então, tivemos que fazer uma análise desse risco, medir esse risco e concluímos que valia a pena entrar nessa água. Porém, o pior estava por vir.

Andando nessa água nós percebemos em um determinado momento que havia trechos sanfonados. Ou seja, o teto baixou, encostou na água e formou um túnel. Para continuar só tinha um jeito: mergulhar nele, sem ar para respirar, sem nenhuma lanterna – já que não acendia de baixo da água -, e sem a certeza do tamanho do túnel. Nós passamos por essa experiência, atravessamos o túnel. Do outro lado, as lanternas acabaram e ficamos duas horas na escuridão total, com a sorte de estar tão próximo da boca, que quando o sol nasceu vimos à direção da saída. E assim, conseguimos sair. Esse é um rápido resumo das 44 horas que passamos.

Você citou o geólogo e a ajuda dele. O trabalho em equipe, então, foi fundamental?

Foi fundamental. Uma coisa que acabo dizendo muito nas palestras que faço é o seguinte: “muitas vezes, as empresas têm as pessoas certas, mas as pessoas certas não estão nos lugares certos. Ou muitas vezes o conhecimento das pessoas certas não é utilizado de maneira adequada”. Cabe a uma pessoa que comanda uma equipe, que consiga gerenciar as potencialidades das pessoas e colocá-las nos lugares certos.

Às vezes é descobrir, com o passar do tempo, que essas pessoas têm potencialidades que muitas vezes nem elas conhecem. E a gente enquanto administrador tem que ter essa visão: de colocar as pessoas e descobrir as potencialidades dela. Então, o trabalho de equipe foi fundamental. Chegou em um momento lá que ninguém falava com ninguém, todo mundo estressado um com o outro. E só quando a gente descobriu que poderia somar as diversas características de cada um, começamos a ter uma estratégia para sair da caverna.

Você acabou de citar um ponto que gostaria de perguntar: a motivação. Como vocês lidaram com isso? Afinal é normal bater uma angústia nesse momento.

Dentro de uma caverna o seu instinto de sobrevivência faz você agir. Você precisa fazer alguma coisa senão você vai morrer ali. Quando eu conto essa narrativa, as pessoas não tem noção de quanto é desesperador você não ter a certeza que verá a luz do sol. Então, o instinto de sobrevivência é uma forte motivação. Porém, no dia a dia, a gente pode escolher parar.

Por exemplo: depois de andar 27 horas na caverna, nós voltamos para o mesmo ponto onde nós tínhamos chegado quando percebemos que estávamos perdidos. Ou seja, 27 horas andando e você nota que está no mesmo lugar. Dentro de uma caverna você não pode dizer: “Ah, agora vou parar”. Mas na vida muitas vezes as pessoas podem. E buscar essa motivação de dizer: “olha, é mais fácil parar, mas eu vou continuar” é uma coisa que tem que vir de dentro. Você tem que ter um objetivo claro. É preciso ter uma missão declarada, uma missão pessoal.

Para a gente, lá, era muito claro a nossa missão: sair da caverna para sobreviver. Mas às vezes uma pessoa trabalha uma vida inteira e não sabe o porque está trabalhando. Acredito que a motivação começa por aí, em responder essa pergunta: “por que eu saio da minha cama às seis da manhã e fico trabalhando o dia inteiro?”. Porque você tem que ter alguma coisa para estar construindo. Buscar esse objetivo, que na nossa analogia era a saída da caverna, é essencial para essa motivação.

E quando surgiu esse start para contar essa história e envolver o mundo corporativo?

Eu comecei a fazer palestra para outros exploradores de cavernas para que eles não cometessem os meus erros que cometemos. Porém, eu comecei a perceber que existiam vários elementos que poderiam ser aplicados em pessoas que não exploravam cavernas. Por exemplo, a própria questão do trabalho em equipe. E aí, uma vez, um amigo convidou para eu contar essa história na empresa do pai dele. E quando fiz isso, eu comecei a perceber o quanto isso tinha de aplicação e comecei a fazer essas analogias.

O que você destaca como maior aprendizado dessa experiência?

Que todos nós vamos passar por situações difíceis, seja na vida, numa caverna, em uma empresa. A gente vai ter desafios para enfrentar e a forma como vamos encarar essas dificuldades é o que vai determinar se no final do processo a gente sairá com um aprendizado ou não.

Das cinco pessoas que estavam nessa experiência, eu posso garantir que duas tiveram um aprendizado forte e aplicaram isso na vida. As outras três viram isso como uma catástrofe. O que eu quero dizer com isso é que todos nós vamos passar por dificuldades, um empresário terá momentos que dirá como está difícil, mas aprender com isso, e pegar essas experiências para que ela lhe impulsione para o futuro é o que vai fazer a diferença.

E você já voltou a uma caverna depois de tudo isso?

Voltei.

E como foi?

Eu voltei várias vezes em outras cavernas. Para essa mesma caverna eu fui novamente uma única vez. É claro que visitar essa caverna foi um pouco traumático, pois a gente acaba revivendo tudo isso, mas por outro lado, eu sempre digo: “aquilo que lhe amedronta é aquilo que você deve enfrentar”. Então, você tem que encarar seus medos para se tornar maior do que eles. Quando a gente tem um receio e viramos as costas para esse medo, a tendência é que ele fique maior. Visitamos outras cavernas, claro, com muito mais cuidado.

E planejamento maior...


Exato, e planejamento. Essa questão do planejamento eu acho fundamental. No fundo, se tivéssemos um pequeno planejamento, por menor que ele fosse, poderíamos ter saído daquela situação muito antes das 44 horas. Muita gente até pergunta para mim: “Maurício, mas por que vocês não estavam de corda?”. Pois a gente ia para uma área que não precisava de corda. A questão é que a gente esquece de planejar o imprevisível. E o imprevisível, de alguma forma, pode ser planejado. Seja através de um plano B ou plano C.



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