terça-feira, 5 de agosto de 2014

Livro de autoajuda ajuda ou é pura enganação?

Independente da resposta, é importante enfatizar que o pecado tanto pode estar no livro como no modelo mental do leitor




Um dos assuntos que costuma provocar muita controvérsia é o da autoajuda. E o conjunto de reações pode variar dos que acreditam piamente, sem nenhuma consciência crítica e restrição, aos incrédulos, céticos, cínicos e até os raivosos. Para os que acreditam piamente, tudo o que leem são verdades absolutas que não podem ser questionadas. Para os incrédulos, céticos, cínicos e os raivosos todos os livros de autoajuda não têm nenhum mérito ou valor e os autores, além de não serem pessoas sérias, não passam de oportunistas que estão se aproveitando da ingenuidade alheia.

Para estes últimos podemos dizer que autores considerados sérios, sem nenhuma sombra de dúvida, escreveram livros de autoajuda. Entre eles, o filósofo e matemático inglês Bertand Russell, autor de A Conquista da Felicidade e o psicólogo americano Albert Ellis, que criou a TCER - Terapia do Comportamento Emotivo Racional, e escreveu vários livros, entre eles, Como Conquistar sua Própria Felicidade. Ellis não tinha nenhuma vergonha de dizer que escrevia livros de autoajuda, relatando casos de pessoas que leram seus livros e que tiveram melhoras consideráveis face às adversidades da vida.

Mas Ellis também relata casos de pessoas que leram tudo sobre pensamento positivo e tiveram que se internar em clínicas psiquiátricas ou acabaram tomando doses cavalares de tranqüilizantes. Portanto, em termos de autoajuda, mais do que nunca, é fundamental saber separar o joio do trigo, ou como diz uma música do compositor Billy Blanco: “O que dá para rir também dá para chorar”. Além disto, deve ser ressaltado que compete a quem lê o livro, interpretar e tirar conclusões apropriadas, o que nem sempre é fácil.

Em oposição à autoajuda está a ajuda advinda através de outras pessoas, um conhecido, um amigo, um terapeuta ou um coach. E será que esta ajuda vinda através de terceiros, sempre ajuda? A resposta é não, tanto assim que já houve casos de pessoas que estavam em processo terapêutico e chegaram ao suicídio. Isto quer dizer que um tratamento psicológico pode provocar danos, que em alguns casos são irreversíveis. E uma coach incompetente poder fazer com que uma pessoa tome decisões completamente equivocadas.

Mas o fato é que não existe ninguém que tenha chegado ao sucesso, ou que tenha superado as adversidades da vida, que não tenha tido algum tipo de ajuda de outros, seja através da comunicação direta, seja de leituras, ou ambas. É claro que também existe uma terceira categoria, que é a daqueles dominados pelo VOA: vaidade, orgulho e arrogância. Estes são autossuficientes, onipotentes e oniscientes e não precisam de ajuda de quem quer que seja. Pelo menos é no que acreditam até que caiam do alto de usas vaidades.

A fim de alertar para as armadilhas e perigos dos livros de autoajuda, vamos a alguns dos pecados capitais que podem ter consequências extremamente perniciosas. Mas, de qualquer forma, é importante enfatizar que o pecado tanto pode estar no livro como no modelo mental do leitor, que faz com que não tenha uma interpretação correta.

1) Divinizar os gurus ou autores, sem se dar conta que eles também erram

Por exemplo, em 2.0000, Gary Hammel, um dos gurus do pensamento estratégico e da liderança, no seu livro Liderando a Revolução, cita a Enron como um exemplo de criatividade, ousadia e inovação. Entretanto, no final de 2001, a Enron estava envolvida num mar de fraudes e faliu. Assim, vale o que dizia Buda há mais de 2 mil anos: “Não acredite em nada simplesmente porque foi dito. Nem em sábios, nem na autoridade de mestres e professores. Só acredite quando os escritos, doutrinas e dizeres forem corroborados pela razão e consciência”. Portanto, nunca abdique de duas coisas fundamentais: lucidez e consciência crítica.

2) Querer ter certeza absoluta e querer chegar à verdade plena

Vivemos num mundo de probabilidades e incertezas. Há algum tempo, houve um acidente aéreo de um avião da Gol com um Legacy em plena Floresta Amazônica. Qual era a probabilidade de que aqueles dois aviões se chocassem naquele imenso espaço aéreo? Mínima, talvez desprezível, mas no entanto, o acidente ocorreu. Assim, vale desenvolver a sabedoria da insegurança, ou seja, sair da área do conforto e do familiar e poder viver o risco, a incerteza e o desconhecido. É sempre bom lembrar que “mar tranquilo não faz bom marinheiro”.

3) Tirar conclusões equivocadas e não ter a menor consciência disto

O autor de um livro pode querer dizer uma coisa, mas em função do mecanismo DOG - distorção, omissão e generalização-, fenômenos comuns ao processo de percepção, pode-se ter interpretações bastante distintas daquelas que o autor pretendia. Além disto, um mesmo fato pode permitir conclusões inteiramente distintas. Um exemplo desenvolvido por Einstein pode esclarecer melhor a questão. Se uma pessoa estiver num trem em movimento e deixar cair um objeto, para esta pessoa, o objeto vai cair numa linha reta vertical. Entretanto, este mesmo objeto, visto por uma pessoa que estiver fora do trem, vai cair em forma de curva. Assim sendo, acostume-se a ver a realidade por vários pontos de vista e sistemas de referência. Tenha em vista o pensamento lateral e a técnica da palavra aleatória.

4) Falta de feedback ou retro-alimentação

O fato do leitor não se comunicar com o autor gera o problema do arco-de-distorção, que é a diferença entre o que o autor quer transmitir e aquilo que o leitor capta da mensagem. Isto é bastante comum na comunicação de sentido único. Um outro problema com relação à falta de feedback é o da área cega, isto é, aquilo que os outros percebem em nós, mas que não temos idéia a respeito. Ou como diz a expressão bíblica: “É mais fácil ver um cisco no olho do outro do que uma trave no próprio olho”. Para evitar este tipo de coisa, passou a ser bastante usual nas empresas a avaliação 360 graus, em que uma pessoa recebe feedbacks dos que estão no seu entorno. E esta é, na verdade, uma vantagem da ajuda vinda através de terceiros, que não pode ser alcançada por meio dos livros de autoajuda.

5) Não ter precisão com relação à questão dos limites, adversidades e ter sentimentos de onipotência

Limites fazem parte da nossa vida. Existem dois tipos de limites: os auto impostos e os reais, o que nem sempre é fácil diferenciar. Certa vez uma pessoa que tinha medo de mar leu um livro de autoajuda sobre a importância de se ter uma autoconfiança inabalável. Feito isto, foi nadar e morreu afogada. Não se deu conta de que só ter autoconfiança não basta. Também é preciso ter habilidades e competências.

6) Supersimplificar as coisas desconsiderando sutilizas, ambiguidades e a necessidade da visão holística

O sucesso não é consequência de um único fator, mas de um conjunto deles. Talvez uma das figuras mais importantes, mas também das menos conhecidas atualmente, em termos de autoajuda, é a do farmacêutico francês Emile Coué, cujo nome está associado às pesquisas sobre efeito placebo e é considerado o pai da auto-hipnose. Ele ficou conhecido, no início do século passado, pela frase: “Todos os dias sob todos os pontos de vista, vou cada vez melhor”. Numa viagem aos Estados Unidos, Coué foi injustamente difamado pela combinação de ignorância e arrogância da imprensa americana e ficou profundamente abatido até morrer em 1926. Ou seja, a frase famosa não surtiu efeito para ele. Uma supersimplificação, muito comum hoje em dia, tem a ver com a ilusão dos sonhos ou do peça, acredite e receba. Parece que basta sonhar e está tudo resolvido. Ora, o sonho é apenas o início de um processo e existem muitos outros parâmetros a serem considerados. Um deles, como muito bem enfatiza Paul Stoltz, é a capacidade de enfrentar adversidades. O jogador de futebol Zidane, na Copa do Mundo 2006, tinha um sonho, estava altamente motivado e tinha uma fantástica competência. No entanto, deu uma cabeçada num adversário e botou tudo a perder. Ou seja, sem que se saiba entrar em estados mentais e emocionais ricos de recursos nos momentos importantes e decisivos, de nada adianta sonhar.

7) Dificuldades de avaliar e pouco consciência crítica

ntre as competências fundamentais de uma pessoa está a capacidade de avaliar. É sempre bom ter presente que Warren Buffet, que está entre os megabilionários deste planeta, atribuiu a esta capacidade a razão do seu sucesso. Depois que uma pessoa assumiu uma posição, há uma tendência de ver somente àquilo que está de acordo com a posição assumida e negar, rejeitar e distorcer e não ver aquilo que está contra. Um dos livros de autoajuda com maior sucesso é O Monge e o Executivo que postula que o líder deve ser um servidor. Mas são poucos os leitores que se dão conta de que logo no início do primeiro capítulo do livro, “As Definições”, existe como referência uma citação de Margaret Thatcher. E se você desligou a consciência crítica e capacidade de avaliar, não vai se perguntar quem foi ela. Margareth Thatcher, também conhecida como a Dama de Ferro, foi primeira-ministra da Grã-Bretanha. Era considerada a líder mais enérgica da ala direita do Partido Conservador e de uma dureza implacável e sem a menor contemplação com seus opositores. Em suma, o exemplo real da negação e do oposto de tudo o que prega e recomenda o livro O Monge e o Executivo. 

8) Não se ter consciência do que realmente se faz e que aquilo que verdadeiramente conta é a ação

Se você quiser saber quem uma pessoa realmente é, veja o que ela faz e não o que ela diz, conhece ou acha que faz. Neste sentido é sempre bom lembrar Chris Argyris, professor de Comportamento Organizacional em Harvard, e que cunhou os conceitos de Teoria Proclamada e Teoria Aplicada. A Teoria Proclamada é a teoria que as pessoas estão conscientes e que dizem aplicar. A Teoria Aplicada tem a ver com aquilo que as pessoas realmente fazem, ou seja, com os seus comportamentos efetivos. E Argyris contatou que para a maioria das pessoas há uma defasagem – da qual não estão conscientes – entre a sua Teoria Proclamada e sua Teoria Aplicada, o que pode inclusive estar ligado ao conceito de Área Cega da Janela de Johari.

Para concluir

Um livro de autoajuda pode ajudar? Sim, pode. Mas também pode prejudicar e muito, pois pode levar à consciência mágica do “peça, acredite e receba” que faz uma pessoa acreditar que sem competência, determinação implacável, paixão por vencer e muita ação, dentro dos princípios da cibernética, se pode chegar â excelência de resultados. Assim, é sempre bom lembrar Billy Blanco: “O que dá para rir também dá para chorar”.




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