sábado, 2 de agosto de 2014

Aplicativo permitirá a eleitor participar de apuração independente nas eleições de outubro

Grupo fez crowdfunding para desenvolver Você Fiscal; a partir de fotos de boletins de urna, serão apontados possíveis erros ou fraudes e estimado resultado final




Em 2012, um grupo de técnicos da UnB (Universidade de Brasília) realizou pesquisa, em processo promovido pelo próprio TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que mostrou falhas no sistema eleitoral brasileiro, como a não garantia do sigilo do voto, nem a integridade dos resultados. De lá para cá, o órgão, que não está sujeito a nenhuma auditoria externa efetiva, declarou que algumas das falhas seriam corrigidas e não voltou a realizar, ou pelo menos divulgar, testes abertos à sociedade.

O pesquisador-chefe da equipe que identificou as vulnerabilidades, Diego Aranha, hoje professor de Computação da Unicamp, lançou, às 23 horas do dia 22, um financiamento coletivo pelo site Catarse para desenvolver o aplicativo Você Fiscal. Por meio do envio de fotos do Boletim de Urna (BU) de seções eleitorais em qualquer parte do Brasil, o Você Fiscal permitirá a todo eleitor que o utilize (direto no smartphone Android ou em site específico) colaborar para uma apuração paralela e independente da parte transparente das próximas eleições: da urna para fora (leia mais abaixo).

Em menos de uma semana, ainda às 17 horas do dia 28 de julho, o projeto já conseguiu levantar totalmente a meta, de R$ 30 mil. Está, assim, garantido o seu propósito: o app entrará em ação Brasil afora a partir das 17 horas do dia 5 de outubro, quando a votação – para presidente, governadores e deputados estaduais – é encerrada. As contribuições variam desde R$ 20 a R$ 5 mil, com recompensas que vão de agradecimento no aplicativo e nas redes sociais a livros, vagas em eventos e direito a palestras sobre votação eletrônica e até a mini-curso sobre “A História e o Futuro da Criptografia”.

Amostragem colaborativa

Finalizada a votação, os dados de cada urna eletrônica são enviados para os computadores do TSE, onde são somados para calcular o resultado final. Cada urna também imprime o chamado Boletim de Urna, o BU, espécie de recibo com os totais de voto por candidato naquele aparelho.

É aí que o Você Fiscal entra em ação, permitindo a qualquer eleitor fiscalizar a urna em que votou – e a de quantas seções eleitorais quiser percorrer. Utilizando o aplicativo, bastará fotografar de maneira adequada o BU fixado na parede ou na porta da seção eleitoral.

A partir dessa amostra colaborativa, o Você Fiscal somará os resultados de forma independente e indicará, em comparação aos resultados divulgados pelo TSE, possíveis erros ou fraudes.

“Podemos detectar se determinada urna for extraviada, trocada ou adulterada pela manipulação da versão eletrônica do seu Boletim de Urna. E, com usuários suficientes, também vamos ver se ocorrer um erro ou fraude no software que roda no servidor do TSE para somar o resultado final”, diz Aranha.

O que ficará de fora da avaliação do Você Fiscal? Erro ou fraude no software que funciona dentro da urna e eventual fraude de mesário – como ele tecnicamente pode votar no lugar de qualquer eleitor, já houve relatos de eleições em que mesários desonestos votaram por eleitores que faltaram.

Caixa preta da democracia

No início de junho, o TSE divulgou que não faria testes públicos antes das eleições de 5 de outubro. E, novamente, garantiu que tanto as urnas eletrônicas como os seus sistemas são invioláveis. “Eu esperava com ansiedade por isso e lamentei quando soube. Queria, pelo menos, verificar se os problemas de segurança encontrados em 2012 foram corrigidos e se novos foram introduzidos”, conta Aranha.

“Na ocasião [último teste público realizado], o TSE nos deu cinco horas para analisar mais de 10 milhões de linhas de programação do código do software da urna, que eles nos abriram. Descobrimos como reverter o mecanismo usado para o embaralhamento dos votos [que garantiria o sigilo] em menos de uma hora”, conta o professor. Para participar, ele se cadastrou com os colegas após chamada pública do órgão para tal.

Aranha e os técnicos que coordenou provaram a falha ao simularem uma eleição com 950 votos e, na sequência, ordenarem esses votos. “Ou seja, achamos um erro absolutamente banal do sistema, e isso durante um teste limitado e curto. Acredito que, se pudéssemos fazer experimentos realistas e sem restrições, as urnas eletrônicas brasileiras seriam viradas do avesso. Infelizmente, hoje elas são praticamente uma caixa preta”, diz.



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