domingo, 15 de junho de 2014

Espaço do Administradores - Abordagem Histórica da Economia - parte 1




Considerando-se o crescimento do produto, a melhoria das condições médias de vida e a alteração da estrutura produtiva no sentido de se fornecer bens mais completos e com maior produtividade dos fatores de produção, podemos perceber que o Brasil se constituiu num dos exemplos mais bem-sucedidos de desenvolvimento econômico no período do pós-guerra, pelo menos até a década de 80.

O país apresentou taxas médias de crescimento em torno de 7% a.a., com ampla transformação na base produtiva e nas condições de vida da população, a partir da passagem de uma economia agrário-exportadora para uma economia industrial, com o conseqüente aumento da urbanização.

Estas transformações necessitaram de alterações no quadro institucional e nas formas de organização social. O período foi marcado por algumas descontinuidades e rupturas, podendo ser dividido em alguns subperíodos:

  • O Processo de Substituição de Importações (PSI) - 1930/61.
  • A crise do PSI e as reformas institucionais no PAEG - 1962/67.
  • O crescimento com endividamento externo.
  • Milagre Econômico, 1968-1973.
  • II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), 1974-79.
  • A crise da década de oitenta: o processo de ajuste externo.
  • As políticas de combate a inflação da Nova República.
Faremos a seguir, uma análise da evolução da economia brasileira com base nesta cronologia, destacando os principais aspectos em termos de modelo de desenvolvimento e mudanças institucionais, bem como os principais determinantes dos ciclos econômicos.
 

CAPÍTULO I

O PROCESSO DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES

Até a República Velha, a economia brasileira dependia quase exclusivamente do bom desempenho das exportações, que na época se restringiam a algumas poucas commodities agrícolas, notadamente o café plantado na região Sudeste, o que caracterizava a economia brasileira como agroexportadora. O bom desempenho dependia das condições do mercado internacional de café, sendo a variável-chave nesta época o preço internacional do café. As condições deste mercado não eram totalmente controladas pelo Brasil. Apesar de ser o principal produtor de café, outros países também influíam na oferta, e boa parte do mercado era controlado por grandes companhias atacadistas que especulavam com estoques.

A demanda dependia das oscilações no crescimento mundial, aumentando em momentos de prosperidade econômica e retraindo-se quando os países ocidentais (especialmente EUA e Inglaterra) entravam em crise ou em guerra. Deste modo, as crises internacionais causavam problemas muito grandes nas exportações brasileiras de café, criando sérias dificuldades para toda economia brasileira, dado que praticamente todas as outras atividades dentro do país dependiam direta ou indiretamente do desempenho do setor exportador cafeeiro.

As condições do mercado internacional de café tendiam a tornar-se mais problemáticas à medida que as plantações do produto no Brasil se expandiam. Nas primeiras décadas do século XX, a produção brasileira cresceu desmesuradamente. O Brasil chegou a produzir sozinho mais café do que o consumo mundial, obrigando o governo a intervir no mercado, estocando e queimando café. Neste período, as crises externas sucederam-se em função tanto de oscilações na demanda (crises internacionais), como em decorrência da superprodução brasileira.

Em 1930, estes dois elementos se conjugaram, a produção nacional era enorme e a economia mundial entrou numa das maiores crises de sua história. A depressão no mercado internacional de café logo se fez sentir e os preços vieram abaixo. Isto obrigou o governo a intervir fortemente, comprando e estocando café e desvalorizando o câmbio com o objetivo de proteger o setor cafeeiro e ao mesmo tempo sustentar o nível de emprego, de renda e demanda. Ficava, porém, claro que a situação da economia brasileira, dependente das exportações de um único produto agrícola, era insustentável.

A crise dos anos 30 foi um momento de ruptura no desenvolvimento econômico brasileiro; a fragilização do modelo agrário-exportador trouxe à tona a consciência sobre a necessidade da industrialização como forma de superar os constrangimentos externos e o subdesenvolvimento. Não foi o início  da industrialização brasileira (esta já havia se iniciado desde o final do século XIX), mas o momento em que esta passou a ser meta prioritária da política econômica.

Este objetivo, porém, envolvia grandes esforços em termos de geração de poupança e sua transferência para a atividade industrial. Isto só seria possível com uma grande alteração política que rompesse com o Estado oligárquico e descentralização da República Velha e centralizasse o poder e os instrumentos de política econômica no Governo Federal. Este foi o papel desempenhado pela Revolução de 30. Dela decorreram o fortalecimento do Estado Nacional e a ascensão de novas classes econômicas ao poder, que permitiu colocar a industrialização como meta prioritária, como um projeto nacional de desenvolvimento.

A forma assumida pela industrialização foi o chamado Processo de Substituição de Importações (PSI). Devido ao estrangulamento externo, gerado pela crise internacional de corrente da quebra da Bolsa de Nova York, houve a necessidade de produzir internamente o que antes era importado, defendendo-se dessa forma o nível de atividade econômica. A industrialização feita a  partir deste processo de substituição de importações é uma industrialização voltada para dentro, isto é, que visa atender o mercado interno.
 

1. CARACTERÍSTICAS DO PROCESSO DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES

O PSI enquanto modelo de desenvolvimento pode ser caracterizado pela seguinte seqüência:

• Estrangulamento externo - a queda do valor das exportações com manutenção da demanda interna, mantendo a demanda por importações, gera escassez de divisas;

• Desvaloriza-se a taxa de câmbio, aumentando a competitividade e a rentabilidade da produção doméstica, dado o encarecimento dos produtos importados;

• Gera-se uma onda de investimentos nos setores substituidores de importação, produzindo-se internamente parte do que antes era importado aumentando a renda e conseqüentemente a demanda;

• Observa-se novo estrangulamento externo, dado que parte dos investimento e do aumento de renda se traduziram em importações, retomando-se o processo.

Neste sentido, percebe-se que o setor dinâmico do PSI era o estrangulamento externo, recorrente e relativo. Este funciona como estímulo e limite ao investimento industrial. Tal investimento, substituindo as importações, passou a ser a variável chave para determinar o crescimento econômico. Todavia, conforme o investimento e a produção avançava em determinado setor, geravam pontos de estrangulamento em outros. A demanda pelos bens destes outros setores era atendida através de importações. Com o correr do tempo, estes bens passam a ser objeto de novas ondas de investimentos no Brasil, substituindo as importações ditaria a seqüência dos setores objeto dos investimentos industriais que, grosso modo, foi a seguinte:

  • Bens de consumo leve;    
  • Bens de consumo duráveis;    
  • Bens intermediários;     
  • Bens de capital.
Percebe-se assim que o PSI se caracterizava pela idéia de “construção nacional”, ou seja, alcançar o desenvolvimento e a autonomia com base na industrialização, de forma a superar as restrições externas e a tendência à especialização na exportação de produtos primários.


2. PRINCIPAIS DIFICULDADES NA IMPLEMENTAÇÃO DO PSI NO BRASIL

Ao longo de três décadas, este processo foi implementado, modificando-se substancialmente as características da economia brasileira, industrializando e urbanizando-a. Isto, porém, foi feito com inúmeros percalços e algumas dificuldades. As principais dificuldades na implementação do PSI no Brasil foram as seguintes:

2.1. TENDÊNCIA AO DESEQUILÍBRIO EXTERNO

A tendência ao desequilíbrio externo aparecia por várias razões:

Valorização cambial - visava estimular e baratear o investimento industrial; significava uma transferência de renda da agricultura para indústria - o chamado “confisco cambial”- desestimulando as exportações de produtos agrícolas;

Indústria sem competitividade, devido ao protecionismo, visava atender apenas ao mercado interno, sem grandes possibilidades no mercado internacional;

Elevada demanda por importações devido ao investimento industrial e ao aumento de renda.

Assim, como a geração de divisas ia sendo dificultada, o PSI, colocado como um projeto nacional só se tornava viável com o recurso ao capital estrangeiro, quer na forma de dívida externa quer na forma de investimento direto, para eliminar o chamado “hiato de divisas”.

2.2. AUMENTO DA PARTICIPAÇÃO DO ESTADO

Ao Estado caberiam as seguintes funções principais:

• A adequação do arcabouço institucional à industria. Isto foi feito através da Legislação Trabalhista que visava a formação e regulação de um mercado de trabalho urbano, definindo os direitos e deveres dos trabalhadores e a relação empregado-empregador. Também criam-se mecanismos para direcionar capitais da aitividade agrícola para a industrial, dada a ausência de um mercado de capitais organizado. Além disso foram criadas agências estatais e uma burocracia para gerir o processo. Destacam-se os seguintes órgãos: o DASP (Departamento Administrativo do Setor Público), o CTEF (Conselho Técnico de Economia e Finanças), a CPF (Comissão de Financiamento da Produção), a CPA (Comissão de Política Aduaneira), o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) etc.

• A geração de infra-estrutura básica. As principais áreas de atuação foram os transportes e a energia. Até a Segunda Guerra Mundial, destacou-se o caráter emergencial dessa atuação, procurando eliminar os pontos de estrangulamento que aparecessem. No pós-guerra, buscou-se alguma forma de planejamento, ou seja, evitar o aparecimento de estrangulamentos. Destacam-se neste sentido os trabalhos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, cujos projetos não foram plenamente realizados por ausência de financiamento.

• O fornecimento dos insumos básicos. O Estado devia atuar de forma complementar ao setor privado, entrando em áreas cuja necesidade de capital e riscos envolvidos inviabilizam a presença da atividade privada, naquele momento. Neste sentido, foi criado todo o Setor Produtivo Estatal (SPE): CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), CVRD (Companhia Vale do Rio Doce), CNA (Companhia Nacional de Álcalis), a Petrobrás, várias hidrelétricas etc.

Esta ampla participação estatal gerava uma tendência ao déficit público e forçava o recurso ao financiamento inflacionário, na ausência de fontes adequadas de financiamento.

2.3. AUMENTO DO GRAU DE CONCENTRAÇÃO DE RENDA

O processo de substituição de importações era concentrador em termos de renda em função do:

• Êxodo rural decorrente do desincentivo à agricultura, com falta de investimentos no setor, associado à estrutura fundiária, que não gerava empregos suficientes no setor rural, e à legislação trabalhista, restrita ao trabalhador urbano, constituindo um forte estímulo a vir para a cidade;

• Caráter capital intensivo do investimento industrial, que não permitia grande geração de emprego no  setor urbano.

Esses dois pontos geravam excedente de mão-de-obra e, conseqüentemente, baixos salários. Por outro lado, o protecionismo (ausência de concorrência) permitia preços elevados e altas margens de lucro para as indústrias.

2.4. ESCASSEZ DE FONTES DE FINANCIAMENTO

A quarta característica foi a dificuldade de financiamento dos investimentos, dado ao grande volume de poupança necessário para viabilizar os investimentos, em especial os estatais. Este fato se deve à:

• Quase inexistência de um sistema financeiro em decorrência, principalmente, da “Lei da Usura” , que desestimulava a poupança. O sistema restringia-se aos bancos comerciais, a algumas financeiras e aos agentes financeiros oficiais, com destaque para o Banco do Brasil e ao BNDE, sendo que este último operava com recursos de empréstimos compulsórios (um adicional de 10% sobre o Imposto de Renda, instituído para sua criação);

• Ausência de uma reforma tributária ampla. A arrecadação continuava centrada nos impostos de comércio exterior e era dificil ampliar a base tributária; já que a indústria deveria ser estimulada, a agricultura não poderia ser mais penalizada, e os trabalhadores, além de sua baixa remuneração, eram parte da base de apoio dos governos do período.

Neste quadro, não restava alternativa de financiamento ao Estado, que teve que se valer das poupanças compulsórias, dos recursos provenientes da recém-criada Previdência Social, dos ganhos no mercado de câmbio com a introdução das taxas de câmbio múltiplas, além do financiamento inflacionário e do endividamento externo, feito a partir de agências oficiais.


3. O PLANO DE METAS (1956-1960)

O Plano de Metas adotado no governo Juscelino Kubitschek pode ser considerado o auge deste modelo de desenvolvimento; o rápido crescimento do produto e da industrialização no período acentuou as contradições mencionadas.

O principal objetivo do plano era estabelecer as bases de uma economia industrial madura no país, introduzindo de ímpeto o setor produtor de bens de consumo duráveis.

A racionalidade do plano estava baseada nos estudos do grupo BNDE-CEPAL que identificara a existência de uma demanda reprimida por bens de consumo duráveis e viam neste setor importante fonte de crescimento pelos efeitos interindustriais que gera ao pressionar a demanda por bens intermediários e, através do emprego, sobre os bens de consumo leves. Além disso, estimularia o desenvolvimento de novos setores na economia, principalmente os fornecedores de componentes para o setor de bens de consumo duráveis, por exemplo, o setor de autopeças.

A demanda por estes bens vinha da própria concentração de renda anterior que elevava os padrões de consumo de determinadas categorias sociais.

Para viabilizar o projeto, dever-se-ia readequar a infra-estrutura e eliminar os pontos de estrangulamento existentes, os quais já haviam sido identificados nos estudos da CMBEU (Comissão Mista Brasil-Estados Unidos), além de criar incentivos para a vinda do capital estrangeiro nos setores que se pretendia implementar (este era uma necessidade tanto financeira como tecnológica).

3.1. OBJETIVOS DO PLANO DE METAS

O plano pode ser dividido nos seguintes objetivos principais:

• Uma série de investimentos estatais em infra-estrutura com destaque para os setores de transporte e energia elétrica. No que diz respeito aos transportes, cabe destacar a mudança de prioridade que até no governo Vargas se centrava no setor ferroviário e no governo JK passou para o rodoviário, que estava em consonância com o objetivo de introduzir o setor automobilístico no país;

• Estímulo ao aumento da produção de bens intermediários, como o aço, o carvão, o cimento, o zinco etc., que foram objetos de planos específicos;

• Incentivos à introdução dos setores de bens de consumo duráveis e bens de capital;

• Construção de Brasília.

É interessante observar a coerência que existia entre as metas do plano, em que se visava impedir o aparecimento de pontos de estrangulamento na oferta de infra-estrutura e bens intermediários para os novos setores, bem como, através dos investimentos estatais, garantir a demanda necessária para produção adicional.

O plano foi implementado através da criação de uma série de comissões setoriais que administravam e criavam os incentivos necessários para atingir as metas setoriais.

Os incentivos dados ao capital estrangeiro iam desde a Instrução 113 da SOMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito) que permitia o investimento direto sem cobertura cambial, até uma série de isenções fiscais e garantias de mercado (protecionismo para os novos setores).

O cumprimento das metas estabelecidas foi bastante satisfatório, sendo que em alguns setores estas foram superadas, mas em outros ficou aquém. Com isso, observou-se rápido crescimento econômico no período com profundas mudanças estruturais, em termos de base produtiva.

Percebe-se o pior desempenho da agricultura no período, o que está totalmente de acordo com as metas do plano que praticamente desconsideram a agricultura e a questão social. O objetivo é simplesmente a rápida industrialização, o que foi atingido, principalmente a partir de 1958.

3.2. PRINCIPAIS PROBLEMAS DO PLANO DE METAS

Os principais problemas do plano colocavam-se do lado do financiamento. O financiamento dos investimentos públicos, na ausência de uma reforma fiscal condizente com as metas e os gastos estipulados, teve que valer-se principalmente da emissão monetária, com que se observou no período uma aceleração inflacionária. Do ponto de vista externo, observou-se uma deterioração do saldo em transações correntes e o crescimento da dívida externa. A concentração da renda ampliou-se pelos motivos já levantados: desestímulo à agricultura e investimento de capital intensivo na indústria. Esta concentração pode ser verificada pelo comportamento do salário mínimo real no período.

Pelo exposto, percebe-se que, apesar das rápidas transformações ocorridas, o Plano de Metas aprofundou todas as contradições existentes no PSI, tornando claros os limites do modelo dentro do arcabouço institucional vigente.


CAPÍTULO II

A CRISE DOS ANOS 60 E O PAEG

O início dos anos 60 caracterizaram-se pela primeira grande crise econômica do Brasil em sua fase industrial. Neste período, há uma queda importante dos investimentos e a taxa de crescimento da renda brasileira caiu fortemente em função da materialização das contradições inerentes ao processo de substituição de importações.

Para dar prosseguimento ao desenvolvimento econômico, tornava-se necessário desenvolver o setor de bens de capital e ampliar o setor de bens intermediários que estavam defasados, assim como a infra-estrutura urbana. Vários problemas se colocaram neste sentido, em especial a ausência de mecanismos de financiamento adequados, tanto para o setor público, que se encontrava com elevado déficit público devido aos gastos realizados no Plano de Metas (durante o governo de Juscelino Kubitschek), como para o setor privado, em um momento em que as altas escalas de capital dos setores a serem implantados necessitavam de maiores recursos financeiros para viabilizar o investimento.

Outro problema que se colocava ao prosseguimento do desenvolvimento é que tanto o setor de bens de capital como o setor de bens intermediários são os chamados setores de “demanda derivada”, isto é, a demanda de seus produtos dependem da demanda pelos produtos finais na economia. Em virtude da concentração de renda da economia e da ausência de mecanismos de financiamento ao consumidor, a demanda pelos produtos do setor de bens de consumo duráveis era bastante limitada, restringindo os impactos (estímulos) deste setor para o resto da economia. A conseqüência desta situação foi a retração nas taxas de crescimento e a aceleração inflacionária.

Era um consenso na época a necessidade de reformas institucionais que fossem um quadro favorável à retomada dos investimentos. Os governos Jânio Quadros, a fase do parlamentarismo e o governo João Goulart foram prisioneiros desta situação, e apesar de buscarem diferentes formas de resolver a questão política e encaminhar a solução econômica, houve certo imobilismo da política econômica no período. Neste contexto, o golpe militar de 1964, impondo de forma autoritária uma solução para a crise política, foi uma precondição ao encaminhamento “técnico” das medidas de superação da crise econômica - reformas constitucionais e condução da política econômica de forma adequada e segura.

O governo Castelo Branco lançou o PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo), com vistas para resolver os problemas econômicos. O PAEG pode ser dividido em duas linhas de atuação: políticas conjurais de combate à inflação, associadas a reformas estruturais que permitiram o equacionamento dos problemas inflacionários e das dificuldades que se colocavam ao crescimento econômico.

Os objetivos colocados pelo PAEG eram: acelerar o ritmo de desenvolvimento econômico, conter o processo inflacionário, atenuar os desequilíbrios setoriais e regionais, aumentar o investimento e com isso o emprego, e corrigir a tendência ao desequilíbrio externo. O controle inflacionário e/ou as formas de conviver com ela eram vistos como precondições para a retomada do desenvolvimento, e o combate à inflação só poderia ser feito acoplado às reformas institucionais.


1. MEDIDAS DE COMBATE À INFLAÇÃO DO PAEG

O diagnóstico sobre a inflação, que havia subido para 83,2% a.a. em 1963, centrava-se no excesso de demanda. Este era explicado em função da tendência ao déficit público, da elevada propensão a consumir (decorrente da política salarial frouxa dos períodos anteriores - os chamados “arroubos populistas”) e também da falta de controle sobre a expansão do crédito. Estas pressões inflacionárias propagavam-se com a expansão monetária, que era o veículo para sua perpetuação.

Especificamente, as principais metas do PAEG eram:

• Redução do déficit público mediante a redução dos gastos e da ampliação das receitas através da reforma tributária e do aumento das tarifas públicas (a chamada inflação corretiva). Com isso, o déficit público reduziu-se de 4,2% do PIB em 1963 para 1,1% em 1966;

• Restrição do crédito e aperto monetário. Houve aumento das taxas de juros reais e conseqüentemente do passivo das empresas. Este fato levou a uma grande onda de falências, concordatas, fusões e incorporações, processo este que atingiu principalmente as pequenas e médias empresas dos setores de vestuário, alimentos e construção civil. Esta “limpeza de terreno” e conseqüente geração de capacidade ociosa foi um importante fator para a futura retomada do crescimento econômico;

• O terceiro elemento da política de contenção da demanda foi a política salarial, em que se supunha a existência de uma taxa de desemprego relativamente baixa, o que levava a elevados salários reais e inflação crescente. Para romper esta dinâmica, o governo passou a determinar os reajustes salariais, via política salarial, objetivando romper as expectativas e conter as reivindicações. A fórmula de reajustes decidida pela política salarial (circular 10 de 1965) teve por conseqüência uma grande redução do salário real.

Com estas medidas, a inflação reduziu-se, entre os anos de 1964 e 1967, da casa dos 90% a.a. para os 20% a.a. Este resultado se deve em grande parte a uma retração nas taxas de crescimento econômico.


2. REFORMAS INSTITUCIONAIS DO PAEG

Quanto aos problemas institucionais, identificou-se como ponto básico a ausência de correção monetária em uma economia com altas taxas inflacionárias. Vários eram os problemas gerados pelo processo inflacionário:

• A inflação, conjugada à lei da usura (que impedia juros nominais superiores a 12% a.a.), desestimulava a canalização de poupança para o sistema financeiro;

• A lei do inquilinato numa situação inflacionária, constituía-se em forte desestímulo à aquisição de imóveis e, conseqüentemente, à construção civil;

• Desordem tributária, pois a ausência de correção monetária, no caso dos débitos fiscais, estimulava o atraso de pagamentos e, no caso dos ativos e do patrimônio das empresas, levava à tributação de lucros ilusórios.

Neste sentido, se, por um lado, se fazia necessária a redução das taxas de inflação, também procurou-se criar mecanismos que possibilitassem o crescimento econômico em um ambiente de inflação moderada.

As principais reformas instituídas pelo PAEG foram: a reforma tributária, a reforma monetária e financeira e a reforma do setor externo. Vejamos estas reformas mais detidamente.

2.1. A REFORMA TRIBUTÁRIA

Os principais elementos envolvidos nesta reforma foram:

• A introdução da correção monetária no sistema tributário, visando reduzir as distorções já mencionadas;

• A alteração do formato do sistema tributário. Transformaram-se os impostos tipo cascata (que incidem a cada transação sobre o valor total), em impostos tipo valor adicionado. Criou-se o IPI (imposto sobre produtos industrializados), o ICM (imposto sobre circulação de mercadorias) e o ISS (imposto sobre serviços). A importância desta alteração foi romper o estímulo até então existente à integração vertical da produção, e facilitar a utilização dos impostos como instrumento de política de desenvolvimento e de redução de distorções, ao permitir as diferenciações de alíquotas e facilitar a concessão de isenções e incentivos fiscais à atividades específicas;

• A redefinição do espaço tributário entre as diversas esferas do governo. A união ficou com o IPI, o Imposto de Renda, os Impostos Únicos, os Impostos de Comércio Exterior, o Imposto Territorial Rural (ITR). Os estados ficaram com o ICM e os municípios, com o ISS e o IPTU (imposto sobre propriedade territorial urbana). Além disso, foram criados os fundos de transferência intergovernamentais: o fundo de participação dos estados e dos municípios, que se baseavam em parcelas de arrecadação do IPI, do IR e do ICMS. Os critérios de distribuição dos recursos baseavam-se na área geográfica, na população e no inverso da renda per capita, com vistas a favorecer estados mais pobres. Houve importante centralização das decisões sobre a legislação tributária, inclusive definindo as alíquotas dos impostos das demais esferas, procurando eliminar a “guerra fiscal”.

Ainda quanto à questão da arrecadação, devem-se destacar:

• O surgimento de vários fundos parafiscais, como o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e o PIS (Programa de Integração Social), que se constituíram em importantes fontes de poupança compulsória, direcionadas ao setor público. Segundo o governo, estes fundos vieram em substituição a algumas distorções até então existentes na legislação trabalhista que foram eliminadas: a questão da estabilidade do emprego no primeiro caso e a participação no lucro no segundo;

• A chamada “inflação corretiva”, uma política de realismo tarifário, que tornou as empresas estatais geradoras de excedentes líquidos de recursos.

Dessa forma, as principais conseqüências da reforma tributária foram o aumento da arrecadação, e uma grande centralização tanto da arrecadação como das decisões em termos de política tributária, constituindo-se em importante instrumento político, ao subordinar os estados ao governo central. Permitiu ainda, através da vinculação da receita e da criação de órgãos ao lado da administração direta, uma descentralização dos gastos, com maior flexibilidade operacional.

2.2. A REFORMA MONETÁRIA - FINANCEIRA

Os principais objetivos nesta reforma eram: criar condições de condução independente da política monetária e direcionar os recursos montantes e condições adequadas às atividades econômicas.

Esta reforma divide-se em quatro grupos de medidas:

• A instituição da correção monetária e criação da ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional). A introdução da correção monetária tornava sem sentido a “Lei da Usura”, eliminando uma série de ineficiências do sistema financeiro. Ao permitir a prática de taxas de juros reais positivas, estimulava a poupança e ampliava a capacidade de financiamento da economia. A criação das ORTNs, cuja variação determinaria o índice de correção monetária, tinha por objetivo dar credibilidade e viabilizar o desenvolvimento de um mercado de títulos públicos que fornecesse instrumentos de financiamento não inflacionários do déficit público, bem como possibilitasse as operações de mercado aberto, visando o controle monetário. Este último objetivo só se viabilizou de fato a partir de 1970, com a criação das LTNs (Letras do Tesouro Nacional), pois as características das ORTNs (títulos pós-fixados de longo prazo) dificultavam as operações de mercado aberto, que devem ser feitas com títulos prefixados de curto prazo;

• A Lei n.º 4.595 - criação do CMN (Conselho Monetário Nacional) e do BACEM (Banco Central do Brasil). Com esta lei procurava-se criar condições para que a política monetária fosse conduzida de forma independente. O CMN substituiu o conselho da SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito), e passou a ser o órgão normativo da política monetária, com a função de definir as regras e as metas a serem atingidas. O BACEM foi criado (assumindo a antiga Carteira de Câmbio e Redesconto do Banco do Brasil e o Serviço de Meio Circulante do Tesouro Nacional), para ser o agente executor da política monetária. Além disso, ele também seria o agente fiscalizador e controlador do sistema financeiro. O Banco do Brasil, além de suas funções de banco comercial, permaneceu com os serviços de compensação de cheques, depositário das reservas voluntárias, e caixa do BACEM e do Tesouro Nacional, ou seja, constituía-se no agente bancário no governo.

Vários problemas ainda permaneciam, para a consecução do objetivo de controle independente da política monetária:

• A subordinação do BACEM ao CMN, o que permitia ingerência política na atuação do BACEM;

• A Conta Movimento, criada inicialmente para transferir recursos do BB para o BACEM entrar em operação, fez com que o BB não perdesse a condição de Autoridade Monetária, uma vez que podia expandir sem limites suas operações de crédito, pois possuía uma linha direta de financiamento junto ao BACEM;

• O chamado “Orçamento Monetário”, que deveria ser peça para juntar as duas autoridades monetárias (BACEM e BB). Este orçamento passou a receber vários gastos de origem fiscal, com a criação de vários fundos e programas que seriam administradas pelas Autoridades Monetárias - PROAGRO, PROEX, FUNRURAL etc.

Com isso, o BACEM, que deveria ser órgão de controle monetário, transformava-se também em banco de fomento, criando-se um entrelaçamento entre contas monetárias e fiscais, de tal modo que o Orçamento Fiscal poderia aparecer equilibrado, enquanto todo o rombo se colocava no Orçamento Monetário. O BACEM era responsável pela administração da dívida pública, podendo emitir títulos em nome do Tesouro Nacional. Dessa forma, a dívida pública e os gastos com juros do Tesouro poderiam crescer, independentemente da existências de um déficit a ser financiado, mas simplesmente por objetivos de controle monetário. Além disso, criava-se um mecanismo para o Tesouro Nacional forçar o BACEM a financiar seus déficits via emissão monetária.

Percebe-se, portanto, que acabou por criar um estranho arcabouço institucional, em que se mistura política fiscal e monetária; o BACEM não controla a política monetária, nem o Tesouro Nacional controla a política fiscal, e o resultado deste quadro foi o de inviabilizar o conhecimento e o controle social sobre as operações do governo.

• A Lei n.º 4.320 - criação do SFH (Sistema Financeiro da Habitação) e do BNH (Banco Nacional da Habitação). A criação do SFH tinha por objetivo eliminar o déficit habitacional existente, que era atribuído à falta de financiamento para o setor. Assim, dotou-se o segmento com linhas de recursos e agentes específicos.

Com relação aos agentes foi criado o BNH, que desempenharia o papel de banco dos bancos no sistema financeiro habitacional, com a função de regulamentar e fiscalizar a atuação dos agentes do sistema, bem como prestar serviços a estes, como assistência à liquidez. Os demais agentes do sistema eram as Caixas Econômicas (CE), as Sociedades de Crédito Imobiliário (SCI) e as Associações de Poupança e Empréstimos (APE).

As fontes de recursos eram as cadernetas de poupança, as letras imobiliárias e o FGTS. O FGTS era gerido pelo BNH para financiar os projetos sociais na área de habitação e saneamento, esta última através do SFS (Sistema Financeiro do Saneamento). O BNH funcionaria como agente repassador, não se constituindo em agente de ponta.

• A Lei n.º 4.728 - Reforma do Mercado de Capitais. A Lei do Mercado de Capitais definia as regras de atuação dos demais agentes financeiros. O quadro institucional que se formou baseava-se no modelo financeiro norte-americano, caracterizado pela especialização/segmentação do mercado, existindo instituições especializadas que atendiam a segmentos específicos do mercado de crédito, com base em instrumentos de captação determinados.

Assim, os bancos comerciais deveriam operar no crédito de curto prazo, com base na captação de depósitos a vista. As financeiras eram os agentes do crédito ao consumidor, através da venda de letras de câmbio. Os bancos de investimento, criados na reforma, deveriam atender ao crédito de médio e longo prazos, através da captação de depósitos a prazo e do repasse de recursos externos; além disso, deveriam incentivar as operações do mercado de capitais, através da subscrição de ações, operações de underwriting e colocação de debêntures. Os bancos de desenvolvimento estatais deveriam financiar operações especiais de fomento através do repasse de fundos fiscais e recursos externos.

As demais instituições do mercado de capitais - Bolsa de Valores, Corretoras e Distribuidoras - também foram regulamentadas e subordinadas ao BACEM. Criaram-se vários tipos de incentivos fiscais para dinamizar este segmento, entre os quais destacam-se o Decreto-lei n.º 157, no qual os indivíduos poderiam adquirir cotas de fundo de ações com parcela do Imposto de renda (pessoa física) devido. Merece ainda destaque a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), sendo o BB o agente central, e os bancos comerciais agências subsidiárias. A fonte de recursos para o sistema era, além dos fundos fiscais e da “Conta Movimento”, uma parcela dos depósitos a vista captados pelos bancos comerciais, que deveriam obrigatoriamente ser utilizados no financiamento agrícola.

2.3. A REFORMA DO SETOR EXTERNO

A reforma do setor externo tinha por objetivo estimular o desenvolvimento econômico, evitando as pressões sobre o Balanço de Pagamentos, eliminando assim uma das principais distorções do PSI. Destacam-se duas linhas de atuação neste sentido: melhorar o comércio externo brasileiro e atrair o capital estrangeiro.

• Em relação ao comércio externo, buscou-se, por um lado, estimular e diversificar as exportações através de uma série de incentivos fiscais (isenções fiscais - IPI, ICM, IR - crédito-prêmio do IPI etc.) e da modernização e dinamização dos órgãos públicos ligados ao comércio internacional (CACEX e CPA). Quanto às importações, a idéia era eliminar os limites quantitativos e utilizar apenas a política tarifária como forma de controle. A principal medida adotada na área do comércio externo foi a simplificação e unificação do sistema cambial, que objetivava eliminar as incertezas decorrentes da condução errática da política cambial, bem como os desestímulos à exportação decorrentes da valorização cambial. Para tal, adotou-se o sistema de minidesvalorizações  a partir de 1968, pelo qual a valorização cambial deveria refletir o diferencial entre a inflação doméstica e a internacional;
    
• Quanto à atração do capital estrangeiro, buscou-se inicialmente uma reaproximação com a política externa norte-americana, a chamada Aliança para o Progresso. Em seguida, efetuou-se a renegociação da dívida externa e firmou-se um Acordo de Garantias para o capital estrangeiro. As ligações com o sistema financeiro internacional foram feitas através de dois mecanismos: a Lei n.º 4.131, que dava acesso direto das empresas ao sistema financeiro internacional, e a Resolução n.º 63, que possibilitava a captação de recursos externos pelos bancos comerciais e de investimentos para repasse interno. Esta última significava a colagem do sistema financeiro nacional ao internacional e o início do processo de internacionalização financeira no Brasil.

“As reformas do PAEG alteraram praticamente todo o quadro institucional vigente na economia brasileira, adaptando-o às necessidades de uma economia industrial. Montou-se um esquema de financiamento que viabilizaria a retomada do crescimento, e dotou-se o Estado de maior capacidade de intervenção na economia”. (SOARES, 1981, p. 89)

A política adotada no PAEG obteve grande êxito na redução das taxas inflacionárias e em preparar o terreno para a retomada do crescimento. Este quadro, como veremos, permitiu altas taxas de crescimento ao longo da década de 70.

Fonte: Cola da Web


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