segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

A cultura da extroversão

Em tempos de Eike Batista, talvez tenha chegado a hora de eliminarmos certos clichês




Nas reuniões de trabalho, nos palanques e até mesmo nas igrejas (...) A supervalorização do indivíduo extrovertido em nossa sociedade tornou-se evidente. Persuadidos por sua energia e esfuziante entusiasmo, acabamos atraídos por pessoas como Steve Jobs, o extrovertido criador da Apple, e mal lembramos de Steve Wozniak, o introvertido criador da Apple.



O mesmo se repete nas entrevistas de trabalho e dinâmicas de grupo, onde as competências típicas dos extrovertidos eclipsam as aptidões (e os valores) que deveriam ser realmente avaliados.



Nas escolas de negócio, alunos extrovertidos tornam-se especialmente populares pelo gosto por um caloroso debate. Enquanto que no mundo dos investimentos, extrovertidos ganham fama pela facilidade com a qual assumem riscos. Aliás, Susan Cain, autora do best-seller "Quietos: o poder dos introvertidos em um mundo que não para de falar" afirma que os extrovertidos e sua inclinação por riscos foram a principal causa para a queda do sistema financeiro global em 2008.



Em sua experiência, pessoas loquazes são avaliadas como sendo mais espertas, mais bonitas e desejáveis. E isso, segundo ela, pode levar-nos a abraçar suas ideais de forma precipitada. Claudia Watanabe da Sociedade Brasileira de Coaching, concorda. Para ela, o profissional extrovertido costuma ser expansivo e competitivo, mas também pode apresentar seu lado agressivo no ambiente de trabalho.



A supervalorização do ideal extrovertido também se faz notar nas prateleiras das livrarias. Só na Amazon, a maior livraria on-line do mundo, são mais de 200 títulos sobre esse assunto. A começar pelo famoso “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, que já vendeu mais de 15 milhões de cópias por todo o mundo.



E por falar em livros, sequer o dicionário de sinônimos escapa da predileção pelos extrovertidos. Já que as conotações vinculadas à palavra “extrovertido” são essencialmente positivas (afável, comunicativo, expansivo ou sociável) enquanto que para a palavra “introvertido“ os sinônimos não soam nada bem (calado, fechado, reservado ou tímido).



Timidez, aliás, que é tratada corriqueiramente como sinônimo de introversão, mas descreve, na verdade, uma característica bem diferente. A timidez está relacionada ao sofrimento pela exposição ao julgamento alheio e acomete principalmente aquelas pessoas que temem passar vergonha.



A introversão, por outro lado, caracteriza aqueles que preferem ficar sozinhos e se sentem mais produtivos no silêncio de seu isolamento. Quase todo tímido desenvolve um comportamento introvertido, mas o inverso não é necessariamente verdadeiro. Alguns introvertidos, aliás, podem ser até bem desinibidos, como os executivos Jorge Paulo Lemann, Bill Gates ou o presidente americano Barack Obama. Todos declaradamente introvertidos.



Quinn Mills, professor de liderança na Harvard Business School, reforça esse argumento e afirma que os introvertidos podem perfeitamente tornar-se bons lideres já que possuem qualidades importantes como a capacidade para escutar, para avaliar problemas a fundo e um censo acurado para a observação. Argumento esse que também ficou comprovado por Jim Collins, autor do livro “Empresas feitas para vencer“. Segundo levantamento feito por ele, CEOs que não são tão conhecidos por sua imagem carismática (introvertidos) vêm gerando mais retorno na bolsa de valores que seus colegas mais chamativos (extrovertidos).



Mas, seja como for, é preciso deixar claro que introversão ou a extroversão não tornam as pessoas mais ou menos aptas para a vida. Aliás, para o psicólogo e psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (criador de ambos os termos), ninguém é 100% introvertido ou extrovertido todo o tempo. Mas, segundo ele, apresentamos atitudes preponderantes de um ou de outro perfil. Para Jung, os extrovertidos encontram no mundo externo sua fonte de energia enquanto os introvertidos se abastecem em suas próprias reflexões.



Esses e outros relatos podem ser indícios de que o culto à extroversão pode estar chegando ao fim. Afinal, o dogma de que extrovertidos detêm o monopólio da liderança e dos bons resultados não tem fundamento. Mais do que isso, em tempos de Eike Batista, talvez tenha chegado a hora de eliminarmos certos clichês.



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