terça-feira, 10 de março de 2015

A gourmetização da felicidade

"De repente, parece que ser feliz com o que se tem, com o que se é, virou um sinal de comodismo"




Depois de passar 18 meses viajando pelo mundo, voltei ao Brasil por 45 dias para passar as festas de fim de ano e todo o mês de janeiro. Visitei três das principais capitais do país – São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte – e confesso que um fenômeno (predominante em São Paulo, eu admito) me assustou: a gourmetização.

Segundo a Wikipedia, gourmet é um ideal cultural associado com a arte culinária da boa comida e bebida. Assim, um vinho ou um restaurante pode se intitular gourmet quando possui alta qualidade e está reservado a paladares mais avançados e a experiências gastronómicas mais elaboradas. Por consequência os produtos e ou refeições gourmet são normalmente mais caras que os seus equivalentes não gourmet.

O que eu tenho percebido cada vez mais é que uma pequena parcela da população, mas que é grande em número de pessoas quando vivemos em um país com 200 milhões de habitantes, não tem tempo nem energia para se deslocar de suas bolhas e acaba disputando desesperadamente os mesmos produtos, serviços e lugares.

Isso se agravou com a popularização da internet e das redes sociais. Hoje, todo o mundo acaba tendo conhecimento de tudo em tempo real e qualquer coisa rapidamente vira objeto de desejo. Basta a blogueira X, a celebridade Y ou até mesmo aquela pessoa descolada do seu trabalho postar uma foto de qualquer coisa no Instagram para que os seguidores queiram aquilo imediatamente.

Também é natural do ser humano a necessidade de se sentir único e especial mas, num mundo onde tudo é cada vez mais acessível, está ficando mais difícil ser diferente e, por isso, aumenta a cada dia a demanda por serviços premium, VIP e, agora, gourmet.

Como consequência disso, uma outra coisa começou a chamar minha atenção, um fenômeno ainda silencioso: a gourmetização da felicidade.

De repente, parece que ser feliz com o que se tem, com o que se é, virou um sinal de comodismo, de vergonha já que a “felicidade verdadeira” é aquela que só vamos sentir quando acontecer algo grandioso ou fizermos algo espetacular. 

A impressão que eu tenho é que, atualmente, não se pode mais ser feliz com o emprego que se tem, é preciso pedir demissão e se tornar um “empreendedor”. Não se pode ser feliz viajando nas férias, é preciso largar tudo e sair por aí rodando o mundo num sabático. Não se pode ser feliz sendo apenas magra, é preciso ter a barriga negativa e a bunda dura. 

Para ajudar, no mundo de hoje é quase impossível não ser lembrado o tempo todo de que alguém, em algum lugar, está fazendo algo mais legal do que você e, infelizmente, uma das formas que temos de mensurar as nossas vidas é nos comparando com os outros, mesmo que inconscientemente.
E, nessa busca constante pelo extraordinário, pela diferenciação e pela exclusividade, nos sentimos cada vez mais ansiosos, inadequados e infelizes, pois é impossível viver uma vida sem nenhum tipo de dor ou frustração.

A verdade é que deveríamos admirar cada vez mais aqueles que encontram satisfação naquilo que é simples, nos prazeres do dia a dia, no ordinário, coisa rara atualmente.

Não se deixe iludir pela felicidade gourmet. Ela provavelmente custa mais caro e nem sempre é melhor do que a versão mais simples e tradicional.



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