Seja na graduação ou na pós-graduação, as instituições de
ensino voltadas para as áreas da Administração têm um papel fundamental de
responsabilidade perante a sociedade; confira uma análise feita pelo reitor da
Esade, uma das principais escolas de negócios do mundo
Devido à pressão aplicada nas universidades de Administração
após a crise financeira, é fácil ignorar as verdadeiras contribuições que elas
realizam para a sociedade e lamentar sobre o quanto poderiam ter feito. A
verdade é que as instituições dessa área executam vários papéis diferentes e,
às vezes, nós precisamos parar e analisar a forma como elas contribuem para a
sociedade, pois somente assim, é possível preparar um caminho melhor para o
futuro.
Cinco pontos
De início, o papel simples que as escolas de Administração
exercem é atrair e treinar talentos. O recurso humano sofisticado é vital para
o desenvolvimento econômico e gestores treinados em universidades estão aptos a
oferecer tanto o conhecimento operacional quanto o eficiente processo decisório
de que as empresas tanto precisam. Quando a universidade está localizada em
países emergentes, esse tópico se torna ainda mais importante, pois deve
priorizar a produção de graduados direcionados para aproveitar as vantagens do
contexto econômico positivo e assim ajudar o país a crescer.
O segundo e controverso papel das escolas de Administração é
a responsabilidade de instigar valores na próxima geração de líderes. A
educação, em geral, pode ser descrita como uma maneira de capacitar as pessoas
a se tornarem agentes ativos no processo de transformação de suas sociedades.
Embora treinar os futuros transformadores da sociedade não é uma
responsabilidade única das escolas de Administração, não tenho dúvida de que é
esperado dos estabelecimentos educacionais não apenas formar trainees, mas
pessoas com uma base ética sólida e bom senso geral.
O aprendizado também deve focar na conduta que permitem às
pessoas conviverem em um ecossistema plural e diverso. As escolas de
Administração, geralmente, vêm sendo eficientes nessa parte, com níveis de
diversidade em sala de aula vistos em poucas disciplinas. Apesar disso, muitas
alcançaram pouco sucesso no foco de valores. Embora seja relativamente fácil
identificar um conjunto de valores e declará-los para o mundo, é muito mais
complexo construir um processo decisório baseado neles. Então a questão é como
focar em eficiência comercial e ao mesmo tempo instigar uma compreensão das
competências sob as quais essas decisões são feitas e as suas consequências a
longo prazo.
Em terceiro lugar, existe a influência que as escolas de
Administração exercem na formação da opinião pública e a pressão que elas podem
exercer na formação de políticas públicas. Essa função cobre desde usar a sua
capacidade intelectual para ensinar a população a interpretar o status quo, a
obrigação de ajudá-la a agir conforme suas visões ou até realizar lobby com
instituições públicas com o objetivo de influenciar decisões políticas.
É claro que, o quão menor o país ou maior for a necessidade
de desenvolvimento econômico, aumenta o nível de influência e responsabilidade
que as escolas da área têm neste campo. Hoje nós vemos que diversas
universidades estão adotando uma atitude reflexiva, reconhecendo que ser uma
instituição que produz e oferece conhecimento traz grandes responsabilidades
para a sociedade.
Em quarto lugar, além de ter uma voz pública, as escolas de
Administração também têm um papel vital a desempenhar no desenvolvimento e
disseminação da gestão e do pensamento econômico que resultam em pesquisa. Em
anos recentes, ganhou força a discussão do rigor versus relevância – caráter
esses que mostra um afastamento das instituições de Administração da procura do
status acadêmico (que resulta em avanços frequentemente inaplicáveis) em
direção a trabalhos mais úteis no "negócio dos negócios".
O desafio está em encorajar o uso de práticas de pesquisa
nas quais diferentes metodologias possam coexistir, juntamente com um esforço
para transformar a pesquisa básica e sólida em uma armação educacional que
consiga transmitir a prática através da educação. Enquanto esse último objetivo
requer um esforço dedicado a algo que não trará um prestígio acadêmico óbvio, o
primeiro requer mentes flexíveis. Então, as escolas de Administração devem usar
sua criatividade para desenvolver uma maneira para lidar com isso.
Finalmente e, possivelmente uma extensão desses últimos dois
elementos, está a relevância da própria escola de Administração do ponto de
vista institucional. Isso é notado com mais clareza em economias de transição
que estejam afastando-se de modelos centralizados de governo ou regulamentações
restritivas. Nesses casos, não é somente a produção da instituição que é
relevante, mas a própria escola como marco dessa transição. Existem valores
agregados à própria natureza do trabalho escolar aplicado nas universidades que
as tornam pontos de referência para uma sociedade em transição. E assim, os
cursos da área tornam-se fontes de desenvolvimento dentro da sociedade.
Papel e responsabilidade
Então, com tantas maneiras diferentes de influenciar a
sociedade, as escolas de Administração têm vários desafios à frente. Precisamos
refletir honestamente sobre o nosso papel na sociedade, considerando como
pesamos esses diferentes tipos de influências e, conscientemente, decidirmos
como devemos lidar com eles. Isso vai bem além de pequenos ajustes no ensino
para demonstrar os discursos comuns e implementações padrão.
As escolas de Administração estão tendo que lidar cada vez
mais com a transformação que a educação comercial está sofrendo rumo a
tornar-se um produto de mercado. Isso poderia gerar vários perfis de
desenvolvimento que encorajariam a competitividade, alinhando recursos
internos, estratégias de marketing e chegando ao desenvolvimento institucional.
Mas essa necessidade de diferenciação conflita diretamente com os objetivos de
padronização definidos pelas organizações de ranking. Embora esses objetivos
almejem aumentar o nível da educação em Administração, eles geralmente buscam
fazê-lo através de produção de curto prazo.
Isso, porém, reflete outro desafio: a diferença entre as
motivações dos participantes e o que a escola deveria ensinar para maximizar a
sua contribuição à sociedade. Por exemplo, estudantes de MBA, frequentemente,
escolhem a instituição por causa da sua imagem e a facilidade que terão em
conseguir um bom trabalho após a graduação. O conteúdo do programa acaba
ficando em segundo plano. E quando os estudantes analisam o conteúdo, eles
procuram as ferramentas que possam maximizar a sua eficiência, e não
desenvolver um pensamento crítico.
E é no conteúdo que as escolas têm uma chance de realmente
fazer a diferença. As de Administração se encontram divididas entre atender às
demandas imediatas dos candidatos e educá-los de uma forma que irá maximizar a
sua contribuição para a sociedade como a próxima geração de líderes.
O desafio está em encontrar um equilíbrio entre esses dois,
garantindo resultados excelentes em curto prazo para o graduado, enquanto
instigando neles uma perspectiva de longo prazo. Uma das maneiras que esse
objetivo pode ser alcançado é aumentando a quantidade de pensamento crítico
necessário nos cursos, talvez retornando às raízes humanísticas da
Administração, encorajando os participantes a encontrar as causas, efeitos e
falhas em aplicar certos modelos ou métodos.
Então, as escolas de Administração de hoje enfrentam vários
desafios. E, ao invés de uma resposta clara e direta para a questão do papel
que elas devem desempenhar na sociedade, nós acabamos com um
"depende". Mesmo se todos nós concordarmos que o papel do ensino deve
ser influenciar a próxima geração de líderes, é complicado definir como isso
deve ser feito. Mas temos uma certeza: se as escolas não refletirem bastante
sobre esses assuntos, a sua função nunca será clara e elas continuarão a ser
criticadas. Dando importância ao seu papel na sua própria sociedade, as
instituições de Administração ao redor do mundo vão descobrir que elas podem
criar novas oportunidades, aceitando as responsabilidades que isso traz.
Alfons Sauquet é reitor da ESADE Business School, uma das escolas
de negócio com mais prestígio internacional, e co-editor de Business schools
and their contribution to society
Fonte: Administradores
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