Em apenas uma tarde, eu aprendi (na marra) sobre o que fazer
e o que não fazer para ser dar bem como um vendedor porta a porta
Sempre fui um péssimo vendedor e um negociador tão ruim
quanto. Desde criança. Quando tinha de vender bilhetes de sorteios na escola,
só conseguia atingir a cota com a solidariedade do pessoal de casa - nessas
horas, sempre dava graças a Deus por ter uma família grande! Nas vezes em que
tentei colocar à venda objetos que não me serviam mais, sempre fui um fiasco.
Ou não conseguia quem comprasse ou acabava saindo no prejuízo - nessas
ocasiões, era impressionante: os compradores sempre tinham mais lábia do que o
vendedor. Essas histórias de gente de sucesso que começou com uma barraquinha
de doces ou de refresco com os amigos na infância eu nunca vou poder contar.
Com a falta de jeito para as vendas, acabei criando uma
aversão tão grande a esse tipo de trabalho que, quando não sabia o que escolher
no ano do vestibular, um dos critérios de exclusão foi justamente esse: topo
(quase) qualquer coisa, desde que um dia eu não precise vender algo para
sobreviver. Acabei escolhendo jornalismo, com duas certezas que mais tarde se
provaram meras pegadinhas do malandro. A primeira era a de que, finalmente,
tinha me livrado da matemática, que durou até o dia em que tive de fazer minha
primeira matéria sobre estatísticas do IBGE. A segunda merece um parágrafo à
parte.
Com exceção do meu peixe, até esta edição da Administradores
eu nunca tinha precisado vender nada para garantir o final feliz do mês. E, no
final das contas, continuo sem vender. Mas, graças a mais uma ideia genial (só
que não) do nosso editor Fábio Bandeira de Mello, precisei tentar. O lance:
atuar como vendedor porta a porta e depois contar a experiência aqui. De cara,
vi que isso não daria certo. Mas, se para eu comer o pão, o diabo teria que
amassá-lo, melhor que eu mesmo amassasse.
Fui à luta. Os produtos: livros (de best-sellers de
auto-ajuda a biografias de celebridades). O público: qualquer pessoa que me
abrisse a porta. A meta: pelo menos, voltar para a redação com uma boa história
para contar. Depois de três horas sob o sol, com uma pilha de livros nas mãos,
entretanto, não tinha ainda nada demais. Apenas alguns “não tenho interesse” e
outros “passe depois que a dona da casa não se encontra”, e nada mais. Aceitei,
então, que não teria jeito e voltei para a redação. O bom senso recomendava
voltar, dizer que a missão falhou e sugerir pensarmos em outra coisa. E assim o
fiz.
De volta, cabisbaixo, com todos os livros nas mãos, a equipe
em peso me perguntou, quase em uníssono: “e aí, vendeu quantos?”. Não sei por
quê, mas meu “nenhum” foi hilário. É verdade que eu não vi graça. Mas as
pessoas riram (com exceção de Fábio, que perdeu mais alguns fios de cabelo
pensando na edição que tinha de fechar). Eu sentei e já fui chamando a turma
para discutirmos o plano B. Foi aí, então, que o big boss Leandro Vieira chegou
com a solução: trocar uma ideia com uma lenda viva das vendas porta a porta. O
homem que vendeu 10 máquinas de datilografia em meia horinha de conversa e
comprou casa, carro e estabilidade vendendo enciclopédias nas ruas. Seu Vieira.
Também conhecido na nossa redação como O pai de Leandro.
Fomos até ele e, com papel e caneta na mão, ouvi 40 minutos
de uma história que nos deu o toque que faltava e salvou nossa pauta
simplesmente invertendo fatores que, no final das contas, não alteraram o
resultado. No início, o objetivo era atuar como vendedor porta a porta e
destacar pontos interessantes da experiência que, ao mesmo tempo, servissem de
lição para quem atua ou pretende atuar no setor e mostrassem como a atividade é
vista hoje pelo público. Depois da conversa - e da tentativa fracassada de
identificar alguma coisa atuando como vendedor - decidi que o melhor seria
contar o que não aprender comigo e compartilhar com vocês meus erros,
analisando-os sob a luz das lições que aprendi tarde demais com Seu Vieira.
1 - Perca a vergonha (no bom sentido)
Quando conseguiu seu primeiro emprego de vendedor - na
Olivetti, (os mais jovens talvez tenham visto impressoras com essa marca. Para
os mais velhos, entretanto, ela é sinônimo de máquina de datilografia) - encarou
um desafio que, na primeira semana, parecia impossível de cumprir: vender
máquinas de escrever portáteis Lettera 22, novidades naqueles idos de 1962.
Tímido, não conseguiu bater em uma porta sequer. Chegou ao sábado como a grande
decepção da equipe. Antes de chegar à segunda-feira, entretanto, parou,
refletiu e chegou à conclusão de que não sabia por que estava com vergonha e,
se não havia motivo aparente, não havia o que temer.
Começando a semana, saiu de casa cedinho e obstinado a
derrubar o muro da timidez. Escolheu, então, um destino onde, certamente,
encontraria vários potenciais compradores: a secretaria de educação da cidade,
Porto Alegre. Na cara dura, pediu para falar com a secretária, disse que tinha
um produto inovador, que ajudaria bastante no cotidiano dos profissionais que
trabalhavam ali, e solicitou autorização para apresentá-lo aos funcionários.
Com a permissão concedida, reuniu as pessoas, fez uma demonstração e já saiu
daquele primeiro dia com dez pedidos. Dali em diante, já tinha coragem para
bater na porta até do presidente dos EUA. Eu, não.
2 - Prepare-se
Depois que perdeu a timidez, Seu Vieira se deu conta de que
tinha mesmo vocação para as vendas. Mas sempre teve em mente que formação é
fundamental. Antes de começar a vender as máquinas portáteis da Olivetti,
passou por um curso específico de vendas na empresa. E cotidianamente
participou de processos de formação continuada, fosse em cursos de média
duração, fosse em treinamentos pontuais. Não é à toa que ele descreve a companhia
como “a maior escola de vendas que se podia encontrar naquela época”.
Mas a capacitação formal nem sempre é suficiente (pelo menos
para quem quer ir além do suficiente). Quando passou a ser vendedor de
exemplares da Barsa, além dos cursos de vendas, se dedicou a estudar os
verbetes da enciclopédia. Conhecê-los foi fundamental para convencer as pessoas
de que aqueles eram produtos interessantes. “Livro é a coisa mais difícil de
você vender. Máquinas de datilografia, calculadoras, as pessoas compravam porque
precisavam. No caso dos livros, eles tinham que se convencer de que aquilo ia
acrescentar algo às suas vidas. Então eu perguntava algo interessante (e
difícil), por exemplo, sobre a história mundial e, quando a pessoa dizia que
não sabia, eu falava que a informação estava na Barsa”, conta Seu Vieira. No
meu caso, eu mal conhecia as capas dos livros que estava vendendo e sequer me
dei ao pequeno trabalho de ler uma das incontáveis listas de 10 coisas que um
bom vendedor precisa saber, disponíveis na internet. Achei que fosse só chegar
e pronto.
3 - Monte sua estratégia
Com a habilidade e a preparação, tudo que falta agora é
traçar um plano. Pensar em como agir faz toda a diferença. Eu saí de casa
simplesmente com o objetivo de vender qualquer livro e a única estratégia foi
fazer um percurso que me permitisse andar sempre pela calçada da sombra (o
Nordeste, nos últimos meses do ano, na primeira metade da tarde, é, como diria
o poeta, praticamente uma sucursal do inferno). Saí com todos os livros tal qual
quando chegaram. Mas evitei o bronze. Objetivo cumprido.
Para vender, entretanto, é preciso um pouco mais. Seu Vieira
tinha seus artifícios. Para vender mais, procurava sempre vender a grupos.
Embora seja um tipo de venda mais difícil, já que sempre tem um boicotador no
meio, permitia vender mais em um espaço de tempo menor. Ao chegar a um grupo,
apresente uma proposta especial para ele. Ao chegar a uma região que não
conhece, informe-se, faça uma lista e, daí, programe visitas. Escolha clientes
que, realmente, são compradores potenciais do seu produto.
Dessas lições, cheguei perto da “proposta especial”. No fim
de minha jornada, já sob o desespero de não vender nada, comecei a usar um
recurso que, confesso, já me convenceu (mas não me ajudou a convencer ninguém):
“ah, custa R$ 30,00, mas para você vou fazer por R$ 10”. Nem assim deu certo.
4 - Vá à luta. Metas são o mínimo
“Eu ganhei dinheiro vendendo porta a porta porque eu
trabalhava. Como o salário era muito bom, na época, a maioria dos vendedores
cumpria o mínimo e se conformava. Eu, não. Lembro que quando me deram uma área
para cobrir, avisaram que era uma região em que ninguém havia conseguido
vender. Quando fui, o principal cliente disse que nunca tinha recebido a visita
de um vendedor da empresa. Os caras diziam que haviam ido fazer a visita, mas
iam namorar na praça. No primeiro dia, vendi duas máquinas. Quando bati a meta,
sempre continuei vendendo. Em dezembro, fui eleito vendedor do ano (na
Olivetti)”, conta Seu Vieira.
Nessa parte, vou fazer minha defesa. Ir à luta, eu fui.
Ninguém pode dizer que não tentei. Bati em algumas dezenas de portas e mesmo
com algumas dessas batendo na minha cara, continuei firme. Tudo bem que Seu
Vieira vendia até de madrugada e eu passei só cerca de três horas tentando. Mas
tenho o próprio Seu Vieira a meu favor. Ele disse que livros são mesmo difíceis
de vender.
5 - Construa um bom relacionamento
Seu Vieira disse que nunca recorreu à família em suas vendas
(como eu fazia com meus bilhetes na escola), como muitos colegas faziam para
atingir suas metas. Para garantir essa independência, entretanto, construir um
bom relacionamento com os clientes, da forma mais duradoura possível, sempre
foi fundamental. Seja sempre ético e nunca prometa o que não pode cumprir: um
deslize com um cliente pode comprometer toda sua carreira. “Meus clientes eram
meus amigos e assim as coisas funcionavam muito bem”, conta Seu Vieira.
No meu caso, como era apenas uma experiência de um dia,
sequer levei isso em conta. Mas vejamos pelo lado positivo: também não procurei
ninguém da família.
Fonte: Administradores
Esta materia ficou otima, amei as dicas.
ResponderExcluirObrigado menina pela sua participação!
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