Não é de hoje que os textos de Administração namoram a
auto-ajuda. Simpatia demais pode acabar fazendo mal
Fim de semana passado estive em três grandes livrarias. De
um lado, “gurus” das finanças pessoais prometem riqueza fácil investindo com
algum esquema fantástico. Do outro, autores com sorriso de Pollyanna* ensinam
como montar sua “start-up” e ficar rico, feliz e sorridente com ela.
Não me leve a mal, caro leitor: um pouco de otimismo é
fundamental. Bom humor é importante, e me considero um cara mais bem humorado
que a média. No entanto, em algum momento, a coisa precisa ficar séria.
E por isso é preciso olhar com desgosto para a maioria dos
livros de “finanças pessoais”, não pelo tema importantíssimo que eles se
propõem a tratar, mas pelo fato de a maioria dos autores estar mais interessada
em virar “guru” do que ajudar seus leitores. Aproveito para fazer um desafio a
todo esse povo: que esses “gurus” das finanças divulguem abertamente os
resultados dos próprios investimentos. Quem sabe parem de dizer que é fácil
ficar rico.
Ter um projeto, aliás, não é a mesma coisa que ter uma
start-up. Empreendedores não são só pessoas felizes e sorridentes que muitos
livros pintam. Ser responsável por um negócio requer seriedade e disciplina,
temas que ficam de fora de vários textos. É mais fácil falar sobre como tudo é
legal e excitante, do que mostrar o trabalho duro e o silencioso desespero que
muitos empreendedores enfrentam ao longo de suas carreiras. O mesmo vale para
temas como inovação, “mídias sociais” e estratégia, onde todo mundo vai
encontrar um “Oceano Azul” ou ser a próxima Apple.
E esses são só alguns exemplos. Não é de hoje que os textos
de Administração namoram a auto-ajuda. O problema, a meu ver, é que essa onda
de conselhos fáceis e sorrisos deixa para trás características importantíssimas
do mundo real. Lembro de uma conversa que tive com um recém contratado de uma
grande empresa de tecnologia, daquelas pintadas como o paraíso pela mídia. Ele
me contou que muita gente fica boba ao saber que ele também tinha chefe e metas
a cumprir. Entre em uma dessas empresas esperando a imagem pintada em certos livros
e a decepção é certa.
Por que falar tudo isso? Me desculpem as noviças rebeldes,
mas mau humor é fundamental. Um bom planejamento estratégico, uma boa gestão
financeira e até uma boa ideia de negócios precisa de uma boa dose de
descontentamento e mau humor. Estou falando daquilo que Mihaly Csikszentmihalyi
chamou de “pessimismo ensolarado”: é preciso ser pessimista para ver
imperfeições no mundo, para ficar descontente com as coisas a ponto de querer
fazer algo a respeito, e otimismo suficiente para imaginar que você pode mudar
as coisas.
É preciso, também, saber que tudo que é importante exige
algo em troca. Em algum momento, as coisas ficarão difíceis, as ideias darão
errado e o dinheiro vai ficar escasso. Você vai duvidar de você mesmo, de suas
escolhas e do caminho que está seguindo. Se fosse fácil, todo mundo teria um
sucesso estrondoso e seria milionário. Falando nisso, ter um sucesso estrondoso
e se tornar milionário não te tornam necessariamente mais feliz.
Então, por que fazer algo diferente? Por que criar uma
empresa? Por que economizar dinheiro, aprender uma nova habilidade ou desbravar
um novo campo?
Porque muitos dos nossos melhores momentos na vida também
são os piores. Olhando para trás, são os momentos de provação, de dúvidas,
momentos em que superamos algo que tornam as pessoas mais orgulhosas.
Ficar em casa vendo televisão não vai fazer você olhar
satisfeito para seu passado daqui a vinte anos. Coisas fáceis são passageiras.
Tentar algo novo, buscar um objetivo que exija sacrifícios, assumir um risco
que valha a pena. Essas sim são coisas que valem ser lembradas. No mundo real,
um pouco de mau humor faz parte da vida, e por isso ele é essencial.
*Personagem de série literária que vive sorrindo.
Fonte: Administradores
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