Quem não aprende com os erros dos outros vai ter que
aprender com os próprios erros
Recentemente li muitas reportagens e artigos sobre os
cinquenta anos do golpe de 1964 e a impressão que me deu é que foram escritos
por pessoas que não leram qualquer livro de administração, comportamento
organizacional ou pensamento estratégico e assim, desconheciam completamente a
importância e o peso da liderança para o sucesso ou fracasso de nações,
empresas e instituições. Portanto, vamos àquilo que considero a essência da
questão.
Se João Goulart fosse o presidente dos Estados Unidos em
1861, os confederados sulistas teriam ganho a Guerra Civil Americana e os
Estados Unidos seriam um país dividido. Se Abraham Lincoln fosse o presidente
do Brasil em 1964, os militares golpistas teriam sido derrotados pelos
militares legalistas e, consequentemente, não teríamos tido o golpe e os
chamados anos de chumbo. É que seus estilos de liderança eram completamente
diferentes. O estilo de Goulart variava entre o laissez-faire, ou deixa rolar e
o harmonizador e o estilo de Abraham Lincoln era o participativo/democrático, e
as diferenças entre estes dois estilos se manifestam de forma muito clara nos
momentos de enfrentar conflitos. O laissez-faire foge e o harmonizador não sabe
enfrentar as situações com efetividade e está mais preocupado com
relacionamentos, procurando conciliar interesses irreconciliáveis. Está mais
para o “bonzinho”. Já o participativo/democrático enfrenta, levando em
consideração objetivos, resultados e pessoas.
Um outro fator importante para o sucesso ou para o fracasso
tem a ver com o PCDAR, isto é, perceber, compreender, decidir, agir e a
resposta, que os militares americanos designam por OODA, ou seja, observar,
orientar, decidir e agir. Os americanos procuram fazer com que o seu OODA seja
o melhor possível e que o dos seus inimigos seja equivocado. Assim, na 2ª
Grande Guerra Mundial criaram, na Inglaterra, um exército falso, que foi
produzido por diretores de cinema, e estava localizado numa região que fazia
com que os alemães jamais pudessem concluir que a invasão ao continente europeu
seria feita através da Normandia, que foi por onde a invasão realmente
aconteceu.
E o PCDAR de Goulart era uma lástima, e nos últimos períodos
do seu governo, sobretudo em março, piorou e ele agia mais como um adolescente
fanfarrão, muito discurso e pouca ação, e não como um hábil estrategista. E
para piorar a situação, ficou possuído do delírio messiânico de ser o grande
líder das esquerdas, se sobrepondo a Leonel Brizola e a Miguel Arraes. Não
fosse isto, teria percebido as consequências de seus atos, e não teria
participado do comício da Central no dia 13 de março e de vários outros
comícios, inclusive em Juiz de Fora, que foi onde se iniciou o movimento
militar no último dia de março.
Também teria enfrentado de forma completamente distinta a
revolta dos marinheiros, no dia 26 de março, que foi liderada pelo agente
provocador, cabo Anselmo, infiltrado num grupo de esquerda, e não teria feito o
que fez que foi exonerar o ministro da marinha, almirante Sílvio Mota,
afrontando assim a hierarquia militar. Parecia até que estávamos diante de um
encouraçado Pontemkin caboclo. E sobretudo, jamais teria feito o discurso para
os suboficiais e sargentos das Forças Armadas, no salão do Automóvel Clube, na
Cinelândia, no dia 30 de março. E diga-se de passagem, que tanto Tancredo
Neves, líder do governo na Câmara, como Raul Ryff, secretário de Imprensa da
Presidência, tentaram dissuadir Jango de fazer este discurso. E quando João
Goulart deixa o Palácio Laranjeiras em direção ao Automóvel Clube, Tancredo
Neves, que o acompanha, diz: “Deus faça com que eu esteja enganado, mas creio
ser este o passo do presidente que irá provocar o inevitável, a motivação final
para a luta armada”. Só que Jango provocou a luta armada e depois fugiu.
E Jango tantas adolescências fez que acabou até perdendo o
apoio decisivo do general Amaury Kruel, comandante do II Exército que, por
sinal, era comprade de Jango. Portanto, o PCDAR de Jango, e diga-se de passagem
da sua assessoria militar, era da pior qualidade possível. Ele havia embarcado
na nau dos insensatos e agia como se estivesse num processo de autodestruição.
Jango era, sem dúvida, o seu pior inimigo e de todos os que confiaram nele.
Uma das qualidades de um bom líder é saber escolher muito
bem a sua equipe, e Jango escolheu para o importante cargo de chefia da Casa
Militar da Presidência o general Argemiro de Assis Brasil.
E para entender da argúcia deste general, basta lembrar que
quando as tropas vindas de Juiz de Fora já estavam a caminho do Rio de Janeiro,
ele telefonou pessoalmente para o general Olympio Mourão Filho perguntando por
informações sobre a veracidade do movimento militar. Mourão Filho deve ter
pensado no seu íntimo: como é idiota este Assis Brasil. Ele quer que eu diga
que as minhas tropas já estão a caminho do Rio e, ainda por cima, me deu a
informação de que não sabe ou tem certeza de qualquer coisa. E é claro que
respondeu que tudo estava normal e que não havia nenhum movimento que estivesse
fora de controle. Com esta resposta, Assis Brasil acalmou-se e acalmou Jango.
Assim, não resta a menor dúvida de que com este coordenador
do esquema militar as coisas não poderiam dar muito certo. Ele desconhecia a
importância chave de três palavras numa campanha militar, numa negociação, ou
seja lá no que for: informação, tempo e poder. Não só ele, mas também muitos
dos que formavam o estafe e o ministério de Jango, tanto assim que, Raul Ryff,
o secretário de Imprensa, encontrando no aeroporto do Galeão, Laurita, a filha
do general Mourão, lhe disse que seu pai ia ser removido de São Paulo, que era
onde Mourão estava lotado, pois estava em franca conspiração contra o governo.
Portanto, qual foi a mensagem que Ryff, de uma forma ou de outra, passou para
Mourão? “Seja mais cauteloso, dissimule e não deixe perceber que você está
conspirando”. E acabou sendo o que Mourão fez.
Além disto, Jair Dantas Ribeiro, então ministro da Guerra,
afirmou, em cerimônia com a presença de Jango, na Vila Militar, que “eventuais
golpistas fardados não teriam a menor chance de êxito”. E Abelardo Jurema,
ministro da Justiça declarou: “Se os golpistas puserem a cabeça de fora, serão
esmagados como se esmaga uma cobra, na cabeça!”. Pelo desenrolar dos
acontecimentos, ficou claro que não houve especificação efetiva de quem eram os
golpistas e o que, quem, como, quando e onde fazer, quando fosse necessário, e
assim, na hora do vamos ver, não viram. Ou seja, preparação, projeto e plano
contingencial que é bom, nada. Eram discursos, bravatas e mais bravatas. Parece
que estavam vivendo no mundo da carochinha e, como decorrência, não fizeram ou
mesmo conheciam o que é análise de risco ou agiram dentro do básico
identificado por Sun Tzu: “Se você não conhece nem a si nem o inimigo, você irá
sucumbir em todas as batalhas”.
Assim, o que deve ser ressaltado, e isto foi extremamente
importante, é que as tropas vindas de Juiz de Fora eram formadas por recrutas
recém-incorporados aos serviço militar, portanto, com baixíssimo treinamento e,
ainda por cima, possuindo equipamentos obsoletos de quinta categoria.
Ou seja, poderiam ser facilmente derrotadas. Portanto, um
fator decisivo para o golpe no Brasil em 1964 foi o Incrível Exército
Brancaleone. E o Exército Brancaleone foi avançando e avançando e não encontrando
nenhuma resistência e com isto recebendo o apoio e aglutinando todos os que
eram a favor da deposição de João Goulart. Em suma, nunca foi tão fácil dar um
golpe, o que significa que o PCDAR de Jango e de seu esquema militar era
primário, adolescente e sem nenhuma visão estratégica.
E o que fez João Goulart assim que tomou consciência da
situação real? Fugiu, alegando, sobretudo, que não queria derramamento de
sangue. Ora, se não queria derramamento de sangue, jamais deveria, entre outras
coisas, ter participado do Comício da Central, ter agido de forma dúbia na
revolta dos marinheiros e muito menos discursado para os sargentos no Automóvel
Clube, em 30 de março.
Os tempos de Jango foram tempos conturbados em função de
movimentos que iam da extrema esquerda, passando pelo centro e indo até à
extrema direita, e isto, além da inflação galopante. Assim, tínhamos Francisco
Julião, líder das Ligas Camponesas, com sua reforma agrária na lei ou na marra,
com declarações ameaçadoras de que podia mobilizar mais de 60 mil homens
armados pelo Brasil inteiro, focos e campos de treinamento de guerrilha em
diferentes pontos do Brasil, com financiamento e armas vindas de Cuba, o CGT -
Comando Geral dos Trabalhadores, líderes sindicalistas, como Clodsmith Riani e
Dante Pelacani, que alardeavam aos 4 cantos que podiam parar o país quando bem
quisessem, bastava apertar um botão, reformas de base delirantes que importavam
em desapropriações e inúmeros conflitos de interesses, as Marchas da Família
com Deus pela Liberdade, a Escola Superior de Guerra, Golbery do Couto e Silva
com o IPÊS - Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais e o IBAD - Instituto
Brasileiro de Ação Democrática, a guerra psicológica, o embaixador americano
Lincoln Gordon, o adido militar americano, coronel Vernon Walters, além de
outros tantos personagens, e também Carlos Lacerda, um ex-comunista que acabou
se transformando num ferrenho anticomunista. Lacerda era um orador brilhante
que vinha pregando o golpe há mais de 10 anos.
Suas pregações contra Getúlio Vargas foram muito fortes e
violentas, tanto que Gregório Fortunado, chefe da guarda pessoal de Getúlio,
contratou o pistoleiro Alcino do Nascimento para matar Lacerda. Só que Alcino
errou o alvo, só acertou o calcanhar de Lacerda, mas acabou matando o major
Rubem Vaz, da aeronáutica e os desenlaces deste ato acabaram redundando no
suicídio de Vargas e num ódio a Lacerda por parte dos getulistas e
simpatizantes. Portanto, fatores que tiveram importância significativa para o
golpe de 64 já vinham de muito tempo.
Mas na essência, foram quatro os fatores decisivos para o
sucesso do golpe de 1964:
1. O exército Brancaleone não ter encontrado qualquer
resistência, quando bastavam um ou dois aviões da FAB para provocar sua
dispersão e debandada. E um comando de elite descer no aeroporto de Juiz de
Fora e daí prender o general Mourão, e com isto, a ridícula Operação Popeye
teria ido para o espaço. Para os perdedores, talvez tenha sido este um dos
maiores vexames da história militar. O famoso esquema militar de Jango não
passava de conversa fiada e, portanto, não estava preparado para enfrentar uma
situação de crise.
2. A perda do apoio do General Kruel, comandante do II
Exército e compadre de Jango.
3. Os equívocos autodestrutivos de Jango em março: comício
da Central, tratamento com a revolta dos marinheiros e a fala para os sargentos
no Automóvel Clube. É impressionante como Jango não tinha a menor ideia das
consequências do que estava fazendo, e isto significa falta de visão
estratégica, de senso de orientação e também foco caótico.
4. A fuga de Jango e com isto desarticulando qualquer
esquema de resistência. O rei fugiu, pegou a todos de surpresa, e não havia
nenhum barão que estivesse pronto para assumir o comando.
Golbery, Castello Branco, Lacerda, Lincoln Gordon, Vernon
Walters, a guerra fria, a miragem da frota naval americana, ou Operação Brother
Sam, a CIA, só tiveram sucesso porque o rei era fraco, uma mistura de líder
laissez-faire com harmonizador. E além de fraco era confuso, e diante da
pressão e da turbulência, entrou em estado mental e emocional fraco de recursos
e conseguiu perder, mesmo tendo as melhores cartas.
Abraham Lincoln presidiu os Estados Unidos de 4 de março de
1861 a 15 de abril de 1865, quando foi assassinado. As dificuldades encontradas
por Lincoln foram infinitamente superiores às que João Goulart teve, no
entanto, enfrentou e venceu, enquanto Jango fugiu e perdeu.
Abraham Lincoln era um advogado vitorioso que sempre se
preparava muito bem, cuja estratégia era conhecer a situação da outra parte
melhor do que o advogado da outra parte. Algo semelhante ao que fazia Napoleão
Bonaparte em termos de guerra. Possuía também aquilo que Albert Ellis, o
criador da Terapia do Comportamento Emotivo Racional, designou por determinação
implacável, e que segundo Ellis representa três quartas partes da vitória. E
esta determinação implacável também é conhecida como paixão por vencer. E isto
foi um dos grandes atributos de Jack Welch, considerado o executivo do século
XX.
Na sua carreira política, Abraham Lincoln foi derrotado
várias vezes antes de vencer a eleição para presidente. O mesmo aconteceu na
guerra civil, mas a cada general que não obteve sucesso, Lincoln os substituía
até que finalmente encontrou o general vitorioso, Ulysses Grant. Portanto,
errar faz parte, mas o importante é perceber e corrigir. A respeito da escolha
de Ulysses Grant, Lincoln foi recomendado a não fazê-lo, posto que ele gostava
de beber. A esta objeção, respondeu: “Me digam qual a marca de whisky que Grant
gosta que eu vou dá-la a todos os outros generais”. E isto significa algo
extremamente importante que é saber identificar o que realmente é essencial e
contribui efetivamente para os resultados.
Devida à posição antiescravagista de Abraham Lincoln, sua
eleição fez com que sete estados do sul se declarassem separados da União,
formando os Estados Confederados da América. A guerra civil começou em 12 de
abril de 1861 com o ataque confederado ao Forte Sumter e só acabou em
decorrência da rendição do general Robert E. Lee, das forças Confederadas, para
o general Ulysses S. Grant, em 9 de abril de 1865, em Appomattox Court House,
no estado da Virgínia. E na rendição, seguindo as recomendações de Abraham
Lincoln, Grant mostrou-se extremamente generoso.
De uma forma ou de outra, Lincoln agiu de acordo com o
conceito do Campo de Forças de Kurt Lewin. Para se chegar ao sucesso, é preciso
saber o que se quer e trabalhar com as forças impulsionadoras, que são as que
levam ao sucesso, e com as forças restritivas, que impedem que se tenha êxito.
Uma força impulsionadora relevante foi que Lincoln supervisionou ostensivamente
os esforços de guerra, especialmente na escolha de generais importantes. Uma
força restritiva profundamente negativa é escolher o general errado e, pior do
que isto, seria não perceber ou, por uma razão ou outra, manter o general
errado no comando. Lincoln soube aumentar as forças impulsionadoras e diminuir
ou eliminar as forças restritivas.
Para finalizar. Abraham Lincoln era um líder
participativo/democrático que enfrentava as situações, levando em consideração
objetivos, resultados e pessoas. E também tinha um PCDAR da melhor qualidade. E
é sempre bom ter presente que é função primordial do líder dar direção e
sentido, e assim, agregar pessoas e esforços. Para tanto, é necessário
considerar Sêneca: "Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir".
Mas também é preciso saber o que e como fazer para chegar aonde se quer. Sem
isto os objetivos não vão se concretizar e é o que dizia Benjamim Franklin:
“Quem não leva a sério a preparação de algo está se preparando para o
fracasso”. Mas só isto não basta pois é preciso saber navegar em mar
turbulento. Líder que não sabe navegar em mar turbulento está fora e já perdeu
de véspera. Em suma, o que fazia a diferença entre Abraham Lincoln e João
Goulart é que seus estilos de liderança eram radicalmente opostos e liderança é
um fator decisivo para o sucesso ou para o fracasso. Basta comparar o
importante papel exercido por Winston Churchill para a vitória dos aliados na
2ª Grande Guerra Mundial, com o desempenho tíbio de Neville de Chamberlain
quando negociou o acordo de Munique com Hitler.
Fonte: Administradores
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