Vítima deve guardar todos os registros que comprovem o
assédio tais como e-mails, mensagens de celular
e até gravações telefônicas e ao vivo (sob certas restrições); empresa deve
dispor de canais de denúncia anônima para que o abuso seja relatado sem o risco
de comprometimento da carreira
Quem trabalha em órgãos públicos sabe o que representa uma
troca de governos. Todos os cargos em comissão, concedidos a pessoas por
indicação política, mudam – na prática é uma roleta-russa para os funcionários
efetivos, que podem ganhar bons chefes, mas também podem ter a carreira
destruída pelos superiores. Foi o que aconteceu com a servidora pública Maria*:
após 20 anos trabalhando no departamento jurídico de um órgão estadual, ela
passou a ser vítima de assédio moral, teve a saúde física e emocional abalada e
foi obrigada a mudar de departamento antes que a situação se agravasse. Na
ausência de meios para comprovar e combater os abusos, e com a suposta
conivência dos demais superiores, essa foi a única saída viável.
"Primeiro ele já chegou ao setor dizendo que tomaria
conta do departamento e que todas as decisões partiriam dele. A primeira vez
que dei uma informação necessária ao andamento do processo, fui duramente
repreendida. Na prática eu não podia mais fazer o trabalho que fiz durante todo
esse tempo, minha função a partir de então foi atender telefonemas", relata.
Características
O assédio moral gera uma cadeia de eventos que tende a se
justificar e ser tida como normal, ou seja: ele gera medo e, por fim, gera
conivência por parte das próprias vítimas que, aos poucos, vai sendo esmagada
emocionalmente. "O assédio moral é uma forma de violência psicológica
reiterada: um veneno que sutilmente intoxica a vítima, até fazê-la pedir
demissão por se achar absolutamente incompetente para continuar o
desenvolvimento do seu trabalho", explica a advogada trabalhista Tamira
Maira Fioravante. Eis a principal característica do abuso: humilhação (sob
várias formas, sutis ou não) praticada repetidamente contra o funcionário. A
partir desse limite, o que seria apenas uma exigência ríspida ou uma
brincadeira, vira um crime que pode ser punido com até dois anos de prisão e
multa (conforme o artigo 136-A do novo Código Penal Brasileiro).
É necessário compreender que muitas vezes essa conduta pode
se dar de maneira pouco perceptível para outras pessoas além da própria vítima.
Sônia Mascaro, doutora em Direito do Trabalho, destaca como formas de assédio
moral "estipular metas e prazos impossíveis de serem cumpridos pelo
empregado, tomar crédito de idéias de outros, ignorar ou excluir um empregado,
sonegar informações e trabalho do empregado, espalhar rumores e fofocas,
ridicularizar o empregado, criticar com persistência e subestimar os esforços
da pessoa"
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA O assédio moral gera uma cadeia de
eventos que tende a se justificar e ser tida como normal, ou seja: ele gera medo
e, por fim, gera conivência por parte das próprias vítimas que, aos poucos, vai
sendo esmagada emocionalmente (imagem: Thinkstock)
Para Mascaro, no âmbito da empresa, o ideal seria que o
trabalhador que sofreu assédio reportasse de maneira sigilosa o ocorrido para o
RH ou os superiores do assediador, "evitando um tom denuncista, mas apenas
relatando as condutas que fazem com que ele se sinta ofendido ou rebaixado,
aguardando que a empresa tome as devidas providências para que isso seja
solucionado". Lembrando que existem casos, ainda que raros, em que o
assédio parte do subordinado contra o superior.
Justiça neles
Mas como enquadrar o agressor sem saber sequer como provar a
sua conduta, se muitas vezes a reação da vítima não é outra senão silenciar?
"É importante saber que a Justiça é a última instância a ser procurada.
Nesses casos, o colaborador deve acionar o departamento de Recursos Humanos da
empresa", afirma o consultor e sócio da Alliance Coaching, Sílvio
Celestino.
Por outro lado, Fioravante lembra que a empresa deve dispor
de canais de comunicação onde o colaborador possa denunciar os abusos de forma
anônima, para que a investigação proceda de forma sigilosa. "Um
trabalhador jamais deve ter a sua carreira prejudicada por tentar proteger a
sua saúde emocional e psicológica", explica a advogada.
Segundo Mascaro, "a prova do assédio moral é
normalmente testemunhal, mas pode também ser feita por meio da apresentação de
documentos – como e-mails – ou gravações que comprovem o comportamento do
assediador". Já Celestino admite que não é tão fácil obter provas
irrefutáveis dos maus tratos, mas é possível. "Você sempre pode gravar uma
conversa da qual você faz parte, não é ilegal", lembra. Apesar de existir
uma jurisprudência que considera a gravação – por celular ou ao vivo – como
prova legítima, alguns tribunais podem contestar essa versão. E mesmo quando
for feita, a gravação deve ser executada por um dos interlocutores, caso
contrário constitui crime e não será aceita como prova. Em outras palavras, é
bom consultar um advogado antes de fazer uma escuta.
Já Ricardo Pereira, mestre em Direito do Trabalho, dá outra
alternativa para quem não pretende se arriscar muito para conseguir provas.
Para ele, "o auxílio de um psicólogo especializado em problemas
relacionados ao trabalho auxilia tanto na comprovação do assédio como na
superação do problema".
O assédio moral é um probema sério que atinge insidiosamente
a vítima, produzindo tanto danos psicológicos quanto patologias físicas, como
tremores, náuseas e enxaquecas. Por outro lado, a empresa é prejudicada à
medida em que a qualidade e a produtividade do colaborador despencam e ações
judiciais se multiplicam. "As empresas devem fazer um trabalho preventivo
de gestão para que não ocorra a proliferação de casos de assédio e provoque,
consequentemente, um grande passivo trabalhista no Poder Judiciário",
conclui Pereira.
A servidora Maria, citada no começo da matéria, conseguiu se
afastar das suas funções e do departamento onde trabalhava e se encaixar em um
novo. Mas não é a mesma coisa: "o trabalho que eu realmente sabia fazer
era aquele. Acho que ele conseguiu o que queria, o meu afastamento",
lamenta.
Fonte: Administradores
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