quarta-feira, 10 de julho de 2013

A Administração e os protestos: entendendo alguns pontos essenciais

Em suma, motivos justos para se protestar é que não faltam. É preciso mudar. Mas para isso é fundamental entender, e muito, de mudança




Sonhos não se transformam em realidade sem obediência aos princípios da boa administração. Ou pior do que isto, podem se transformar em decepção e, até mesmo, em pesadelo. O povo estava e está insatisfeito com a corrupção, com corruptos ocupando cargos públicos, com o superfaturamento, a malversação do dinheiro público, com obras públicas sem utilidade e qualidade, que são inauguradas várias vezes apenas para propaganda política, com o custo de vida elevado, com os altos impostos sem nenhuma contrapartida, com a falta de segurança, com a precariedade dos hospitais públicos, a falta de escolas públicas de nível, com juros bancários estratosféricos, com políticos legislando em causa própria. São muitos os problemas, e eu não tenho a menor dúvida de que você poderá acrescentar, pelo menos, mais uns 10 itens a esta lista.

Em suma, motivos justos para se protestar é que não faltam. É preciso mudar. Mas para isso é fundamental entender, e muito, de mudança.  Existem 3 tipos de mudanças: equivocadas, falsas e efetivas.

Mudanças equivocadas

São frutos, entre outras coisas, da incompetência e de decisões precipitadas e mal tomadas. Assim, por exemplo, faça uma lista dos 39 ministérios do governo federal e verifique, caso a caso, se os ministérios estão sendo ocupados por pessoas competentes ou as nomeações foram apenas decorrentes de conchavos políticos? E como se chegou a este número de ministérios? E é possível alguém administrar com eficácia e eficiência 39 ministérios?

E plebiscito para a reforma política é o melhor caminho? Foram explicitadas outras alternativas, feitas análises de prós e contras de cada alternativa, estabelecidos critérios de decisão? Ou foi uma decisão tomada na base do impulso e que se quer impor? O fato é que uma decisão é tão boa quanto a melhor alternativa que se conseguiu formular e tomar decisão com competência e sabedoria não é fácil. E decisões mal tomadas podem levar a soluções do tipo “a emenda foi pior do que o soneto”.

E no legislativo? Existem pessoas ocupando funções importantes e sendo processadas no STF por falsidade ideológica, peculato e utilização de documentos falsos?

Mudanças falsas

Tem a ver com uma frase do escritor italiano Giuseppe de Lampedusa no seu livro O Leopardo: “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”. Mas para que tudo mude apenas nas aparências, vale o princípio de que “a versão é mais importante do que os fatos”. E aí, tome de agência de propaganda e marketeiro.

Uma outra base para as mudanças falsas é a dialética erística do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, que mostra “como convencer qualquer pessoa de qualquer coisa, mesmo se estando errado”.

Mudanças efetivas

O fato é que efetuar mudanças efetivas e verdadeiras é muito difícil porque, entre outras coisas, o que está em jogo vai mexer com interesses de partes muito poderosas, que farão tudo para continuar com seus privilégios. Não bastam apenas boas intenções, ou exigir, é preciso ter muita competência, determinação e vontade política. Pelo menos cinco coisas são fundamentais: liderança, projetos de qualidade, organizações eficazes e eficientes para implementar as mudanças, estoque de competências e recursos. Sem liderança não se tem direção e sentido, coordenação e motivação. E sem projetos de qualidade, pode-se exigir a vontade “escolas, hospitais, segurança no padrão FIFA”, que nada vai acontecer. Mas uma vez que se tenham projetos de qualidade, vem a outra questão: as administrações federais, estaduais e municipais dispõe de organizações eficazes e eficientes para implementar as mudanças? E para que as organizações funcionem, são necessários não apenas processos e estruturas administrativamente consistentes, mas também um estoque de competências bastante considerável. E como estamos neste aspecto? As administrações públicas dispõem deste estoque de competências? Como são feitas as admissões e os treinamentos dos funcionários?

De qualquer forma, para uma mudança efetiva é importante um bom diagnóstico e para isto informação é fundamental. E neste sentido, é sempre bom lembrar Disraeli que dizia: “Existem três tipos de mentiras: as simples, as deslavadas e as estatísticas”. E como andam as nossas estatísticas e informações? Ter informações precisas pode ser bastante difícil. Basta lembrar do caso do Banco Nacional que depois de quebrar verificou-se que vinha adulterando os seus balanços por quase 10 anos e, o que era pior, é que tinha os seus balanços auditados por uma empresa que era considerada idônea e competente. E assim, estamos diante de um problema muito sério que é o de como vamos abrir as inúmeras caixas pretas existentes no Brasil.

Neste país existem muitas caixas pretas. Desde a estrutura de custos dos ônibus até uma caixa preta muito maior que é a da dívida pública, que neste momento está na casa dos 2 trilhões de reais, praticamente o mesmo montante do orçamento federal aprovado para 2013 que foi de 2,2 trilhões de reais. E segundo algumas informações que andei coletando pela internet, este ano vão vencer 900 bilhões entre o principal e juros desta dívida, sendo que os juros correspondem a 180 bilhões. E não será amortizado nada do principal e no máximo serão pagos 100 bilhões de juros, ou seja, o que vai ser pago não vai cobrir nem os juros da dívida. Logo, como de costume, a dívida vai ser rolada e continuar crescendo como uma bola de neve. E no orçamento federal quanto foi alocado para a educação e para a saúde? 71,7 bilhões para educação e 87,7 bilhões para a saúde. Portanto, estamos precisando de auditoria, de identificar quem ganha com esta situação e efetuar a renegociação da dívida.

E tudo isto, entre muitas outras coisas, resulta num PIB com um crescimento mínimo, o chamado pibinho, e em termos de IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, estamos na 85ª posição mundial. Mas em termos de juros reais estamos muito bem. O Brasil tem o 4º maior juro real do mundo. Em suma, é como já dizia Shakespeare: "Tem algo de muito podre no Reino da Dinamarca”.

O fato é que os problemas do Brasil são estruturais sistêmicos e nada vai se resolver com visão tapa buraco de curto prazo, com políticas econômicas consumistas e imediatistas e com corrupção.

É preciso dar direção e sentido. E nada melhor do que buscar inspiração em Adam Smith, o pai da economia: “A riqueza de uma nação está, em última análise, no conhecimento e no talento de seu povo, bem como na sua capacidade para organizar e aplicar o conhecimento, utilizar e desenvolver com eficiência os recursos humanos”.

E aí surge uma pergunta: como estamos em termos de desenvolvimento de ciência e de tecnologia? Seremos tão somente exportadores de matéria prima e de produtos agropecuários? Nada contra, mas um país que não gera conhecimento é um país que está sempre a reboque.

E suma, lamento informar que se os princípios da administração e da economia inteligente, que levem em consideração aspectos estratégicos, táticos e operacionais, forem desconsiderados, as manifestações que estamos presenciando atualmente, não vão passar de sonhos de uma noite de verão. E ai vai continuar valendo a velha expressão: “Tudo como dantes no quartel de Abrantes”.

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