Abrigos de sucessivos fracassos, é comum que alguns pontos
comerciais ganhem fama de azarados. Mas o que se esconde por trás desse
mistério? Especialistas desvendam as lendas dos lugares "zicados" e
mostram que, para além da superstição, problemas na administração são os verdadeiros
fantasmas
Era uma vez um negócio. Montado na região mais badalada da
cidade e com bastante dinheiro investido, foi, sem dúvida, a grande aposta do
empreendedor, que colocou ali todas as suas economias. Com a reforma do prédio
concluída e a equipe montada, abriram-se as portas. O primeiro mês até foi
razoável. O segundo e o terceiro também deram pra levar. No quarto, entretanto,
os resultados – que nunca haviam sido realmente bons – começaram a piorar. Com
seis meses, o dono achou melhor fechar. E, assim, acabou a breve história de
mais um empreendimento que não deu certo ali, naquele mesmo lugar.
Você, provavelmente, conhece ou já ouviu falar de algum
ponto comercial em que todo negócio iniciado nunca passa de uma tentativa.
Abriram um restaurante e, depois, fecharam. Tentaram um salão de cabeleireiro,
mas também não deu certo. Arriscaram, então, uma farmácia, que acabou da mesma
forma.
Por fim, funcionou um pet-shop, que durou ainda menos que os
anteriores. Depois disso, ninguém mais se interessou. Assim nasce uma legítima
"caveira de burro", que é como são conhecidos os pontos comerciais
estigmatizados por terem abrigado sucessivos fracassos. Mas, no final das
contas, por que ali nada dá certo? Maldição ou, simplesmente, uma administração
falha?
Por trás da lenda, os fatos
Quem passa na rua, quer distância. Os interessados em
comprar ou alugar um espaço, normalmente, os descartam. Para donos e
corretores, é um verdadeiro terror: não conseguem fechar um contrato sequer. Só
pode ser "zica" – e das fortes – certo?
Justificar os próprios erros com o inexplicável, realmente,
é mais fácil. A ideia sobrenatural de que um prédio é amaldiçoado e que não há
como nada dar certo ali é, para muita gente, a única maneira de explicar a
quebra de um negócio após sucessivas falências no mesmo lugar. Por trás de todo
esse misticismo, entretanto, pode estar escondida uma causa bem mais real: a má
gestão do ponto.
O professor Andre Ortiz, do Instituto Business Education,
lembra que, entre os quatro Ps do marketing, o quesito "praça" – os
outros são "produto", "preço" e "promoção" – é de
fundamental importância. "Também conhecido como 'canal de vendas' ou
'canal de distribuição', ele tem se mostrado, nos últimos anos, o elemento mais
estratégico em toda a formulação do composto de marketing", afirma.
No que tange especificamente à localização, o cuidado na
hora de abrir uma empresa de comércio presencial deve ser redobrado. Descuidar
de pequenos detalhes que, muitas vezes, passam despercebidos, pode ser fatal.
De acordo com o professor de Marketing do Mackenzie, Marcos Morita, fatores
relacionados ao entorno e à própria estrutura interna do ponto estão entre as
principais causas para a complicação do empreendimento. "Avenida com
tráfego de veículos em alta velocidade, obras de longo prazo, ladeiras,
calçadas esburacadas, falta de segurança nos arredores, localização em
corredores de baixo movimento, estacionamento precário, decoração e móveis
inadequados são apenas algumas das tantas causas para o insucesso", afirma.
Outra questão importante – e que deve ser levada em conta –
é a visão macro de tudo que envolve o negócio. Muitas vezes, o empreendedor se
prende ao pragmatismo da venda direta e acaba descuidando do restante.
"Se, por exemplo, o cliente compra um aparelho e só descobre depois que a
rede de assistência técnica para ele é quase inexistente, na próxima compra ele
pode descartar aquela empresa como uma das alternativas", ressalta o
consultor de marketing Carlos Munhoz.
Desconstruindo o estereótipo
Às vezes, a grande maldição de alguns prédios é justamente
acreditar que ela existe. "Nas pequenas cidades, por exemplo, é muito
comum que os moradores – especialmente os mais antigos – criem a superstição de
que determinado ponto é azarado. Isso pode gerar um ciclo vicioso em que
potenciais clientes deixam de comprar graças à má-fama, causando a quebra da
empresa – o que somente reforçará a percepção de se tratar mesmo de um lugar
'micado'", afirma Munhoz.
Philip Kotler, um dos mais renomados estudiosos da área,
explica em seu livro "Administração de Marketing" que "o
comportamento de compra do consumidor é influenciado por fatores culturais,
sociais, pessoais e psicológicos" e lembra que, de todos, os "fatores
culturais exercem a maior e mais profunda influência". Desse modo,
desmitificar o senso comum, provando que as superstições enraizadas no
imaginário popular são apenas lendas, é o primeiro passo de quem topa o desafio
de abrir um negócio em um ponto com fama de azarado.
"O ponto de partida, neste caso, é o novo proprietário
ou locatário tentar entender o porquê da suposta maldição e o quanto seus
clientes-alvo podem ser afetados por ela. A partir disso, as ações devem ser
todas centradas nos valores desse público, pois só assim serão atingidas as
causas da superstição. A empresa precisa demonstrar que ela não será afetada
como os negócios anteriores que existiram ali", explica Carlos Munhoz.
Para Marcos Morita, as formas de se quebrar a praga são bem
práticas. "Acredito que há algumas dicas neste sentido. Uma, por exemplo,
é mudar o segmento de atuação do empreendimento. Abrir um bar no local de um
restaurante ou uma padaria no lugar de uma farmácia", afirma o professor.
Arriscando contra a lenda
E aí, você já tem coragem para abrir um negócio em um ponto
azarado e desenterrar de vez a caveira de burro de lá? Carlos Munhoz explica
que se, estrategicamente, o ponto for bom para a empresa, vale a pena sim
investir nele – mesmo com toda a má fama. Isso requer apenas alguns cuidados.
"Se o prédio tem as condições adequadas ao empreendimento, vale a pena
usar os pontos fortes para minimizar as fraquezas. Contudo, é imprescindível
que haja um plano de ação que tenha a correta percepção da dimensão do
'estigma' – pois, se ele for ignorado, decerto a empresa será
prejudicada", afirma o professor.
Mas se, mesmo fazendo tudo certo, o negócio ainda não
vingar, não tem jeito: só benzendo!
Fonte: Administradores
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