Um desabafo do empreendedor sobre a burocracia no Brasil
Quando fui convidado para escrever um artigo sobre a
burocracia no Brasil, a primeira imagem que me veio à cabeça foi do Mark
Zuckerberg na fila de um cartório. Confesso que ri. Ri para não chorar.
Há poucos meses, nossa empresa conseguiu o feito hercúleo de
ser aprovada para receber um financiamento atrelado à inovação. E vou abrir um
parêntese aqui para explicar porque foi tão difícil: provar que o negócio era
inovador e o projeto de alto impacto foi o menor dos desafios. Aliás, a maior
preocupação não estava aqui, e sim nas garantias, na documentação dos
proprietários das garantias, na documentação dos sócios da empresa proprietária
das garantias, e fiquei pasmo quando chegou ao nível de documentação dos
cônjuges dos sócios da empresa proprietária das garantias para um financiamento
que estava sendo tomado por nós. Assinaturas e mais assinaturas, registros em
cartórios no Paraná, Santa Catarina e São Paulo, por conta de onde os sócios se
encontravam.
E sem falar nas certidões... Aqui a história entra em seu
clímax. Nem preciso dizer que aqui foi onde os burocratas conseguiram seus
maiores feitos, certo? Aqui eles usaram toda criatividade e dedicação para
deixar a coisa o pior possível. Tornaram o processo tão amarrado e ineficiente
quanto ninguém poderia imaginar. É certidão para tudo que você faz na vida. O
processo com as certidões para esse financiamento me deixaram sequelas: a
Síndrome do Pânico das Certidões. Os sintomas são: palpitação nas pálpebras,
formigamento nos lábios, dor no pescoço, arritmia cardíaca, perda de apetite.
Conhecem o jogo do “Vence, Vence”? É aquele jogo que você tira a certidão
negativa e alguma outra vence (expira); quando você tira esta, alguma outra
vence. O desafio é ter todas na validade ao mesmo tempo. É um jogo tão demorado
quanto o Quadribol (dos livros do Harry Potter) pode demorar. Só em fantasia
para se criar um negócio desses.
No nosso caso, uma das centenas de certidões não estava
dando negativa – ou seja, estava barrando o empréstimo. E quando fomos tentar
entender o porquê, o sistema da Receita estava fora de ar. Durante uma semana,
fomos todos os dias e não conseguimos respostas. No décimo dia, alguém
conseguiu verificar que a receita havia processado erroneamente uma informação
e que precisaria corrigi-la. Eram R$200,00 que constavam como não pagos, mas
que já haviam sido quitados por nós. Mas não importava. Eles sabiam disso, mas
precisavam de outros papeis, precisavam seguir o protocolo. Porém, havia um grande
porém: o sistema estava fora de ar.
Nosso financiamento estava travado por conta disso. E por
conta de todo o restante da burocracia o processo de obtenção do financiamento
já estava em seu quarto mês. O sistema ficou fora de ar por 15 dias, aproximadamente.
Demoraram mais uma semana para processar a informação. E finalmente conseguimos
a certidão. Aí, o processo já estava quase em seu quinto mês. Haviam nos
passado um prazo máximo de 60 dias para obtenção do crédito. Nós nos planejamos
para termos até dois meses de atraso. Mas estava demorando muito mais do que
isso. As contas começavam a chegar, porque havíamos dado continuidade aos
investimentos, acreditando que o financiamento entraria logo.
De repente, nosso foco estava todo na luta para sobreviver.
Uma luta diária para levantar caixa, conseguir outras linhas de giro, etc. O
foco, que deveria estar no projeto, na inovação, estava na sobrevivência pelo
caixa, por conta de uma Certidão Negativa de Crédito (CND) que ficou travada
por R$200,00. E quando achávamos que o dinheiro entraria... Opa! Espera lá!
Temos que averbar o contrato e as garantias em cartório!! Demora 30 dias!!!!
Imaginei novamente o Mark Zuckerberg na fila do cartório e esperando 30 dias
para poder lançar o Facebook em outra Universidade americana, em seus primeiros
meses de existência.
Isso é só uma amostra do que existe por ai, e existem
situações muito piores do que a nossa. Milhares de pequenas e médias empresas
já passaram ou estão passando por isso.
Um dos valores de nosso negócio é: acredito fielmente que
nada é impossível!
Às vezes acho que os burocratas descobriram esse valor e
tentam fazer de tudo para que o mudemos para: acredito que nada é impossível,
desde que eu vença a burocracia primeiro.
Como podemos esperar viver em um mercado menos burocrático e
mais eficiente sendo que nem o Estado está preocupado com sua eficiência? Essa
é minha maior dúvida. Que esperança podemos ter por eficiência enquanto o
Estado não estiver lutando para ser mais eficiente?
E o pior é que a burocracia se estende para nosso sistema de
educação, saúde, serviços básicos (água, luz, telefone, internet). Ao invés de
nosso Estado ser exemplo em meritocracia, em resultados, em empreendedorismo,
se tem justamente o contrário.
Sonho com o dia que a burocracia e os tributos não forem
mais nossos maiores desafios para empreender. Nesse dia me sentirei livre de
verdade para empreender e enfrentar os desafios que os grandes empreendedores
devem enfrentar com 100% de seu foco: concorrência, inovação, gestão, formação
de talentos.
Ah! E só para concluir: já experimentaram lançar um produto
bem inovador? É até engraçado. O sistema tributário é tão falho que há 99% de
probabilidade de não existir um imposto correto para ele. Aí, ou você opera no
risco, ou espera meses até conseguir criar um tributo correto para seu
produto... E vamos à luta! Amanhã tenho mais uma certidão para tirar.
Fonte: Administradores
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