Progresso e transtornos. População da cidade mais antiga do
Estado questiona qual o preço do desenvolvimento
Delegacia, videolocadora, hospital, colônia de férias,
estúdio de rádio, casa de família. Não há em Rio Grande o que não tenha se
transformado em alojamento, hospedaria, hotel, casa coletiva.
A diferença fica no letreiro. Por dentro, tudo se resume a
prédios apinhados de beliches, acomodando trabalhadores vindos dos quatro
cantos do país em busca de vagas que remuneram um soldador com em média R$ 3,8
mil por mês.
Nas ruas, a legião de homens que vestem macacões coloridos —
cada empresa que opera no polo naval é identificada por uma cor —, lota os
restaurantes, os supermercados e os bares, impulsiona o comércio, mas tira a
paciência dos rio-grandinos. Qual seria a fatura aceitável para o progresso?
— Queremos o desenvolvimento. O problema é que não tem
ninguém organizando a casa. Falta estrutura — resume o empresário Renato Lima,
que preside a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL).
Faltam lugares para morar e o que há ficou tão caro que só
cabe no bolso de quem trabalha na construção de plataformas. Para alugar uma
casa de dois quartos com garagem é preciso desembolsar, em média, R$ 1,9 mil.
Custaria R$ 400, se a demanda não estivesse tão fora da curva. No Centro, o
almoço não sai por menos de R$ 30. Todo dia abre um restaurante novo. E todos
estão lotados.
Por volta do meio-dia, dezenas de vans estacionam na Duque
de Caxias, em frente ao Hotel Atlântico, no coração da cidade. Delas,
desembarcam os homens vestindo macacões, laranjas da Petrobras, cinzas da
Ecovix, azuis da Quip. Depois de almoçar em algum restaurante por ali, tomam
sorvete no calçadão.
Jogam conversa fora na pracinha do Dog Sete. Esperam o
retorno para um dos estaleiros encravados entre a BR-392 e o canal de acesso ao
porto, onde ajudam a erguer os gigantes navios do petróleo.
É uma torre de babel. Tem gente do Norte, do Centro-Oeste e
do Sudeste, mas a maioria vem do Nordeste. Sergipanos, pernambucanos, baianos.
A família fica na cidade de origem, para onde podem voltar a cada 21 dias, por
um período de três dias (o sindicato negocia aumentar para cinco dias).
Enquanto a folga não chega, se divertem à sua moda. E cada nativo que se
entrevista na cidade tem uma história para contar: viu o pessoal do estaleiro
tomando banho no chafariz da Praça Tamandaré, ou soube que uma turma fez
churrasco no meio da rua, ouviu falar que meteram a mão com a mulher de um
amigo na avenida do Cassino, e até tentaram carnear uma vaca na calçada.
— A gente é extrovertido, diferente do gaúcho. Alguns passam
dos limites, mas nem todo mundo é igual — argumenta o soldador sergipano
Anderson Tavares, 23 anos.
Engarrafamentos rumo ao Cassino
Os rio-grandinos estão impacientes. Não eram acostumados ao
engarrafamento, agora comum nas duas estradas que separam a cidade do balneário
Cassino.
Pela RS-734 circulam os carros dos engenheiros que
escolheram morar na praia. Na BR-392, basta chegar perto das 17h para a fila de
ônibus rumar em direção aos estaleiros, transporte dos trabalhadores, dor de
cabeça dos motoristas. Resultado: menos de 20 quilômetros e mais de 40 minutos
de trajeto centro-balneário. A frota de veículos saltou de 45 mil em 2005 para
90 mil, mais do que o dobro do que cresceu no Estado no mesmo período.
Quem nasceu na cidade também não gosta do sofá (e da piscina
de plástico) na calçada, do pagode, da fila no super. Um pernambucano, que não
quer divulgar o nome, chama o ranço de preconceito. Estava em uma festa
("festa normal, não era bailão ou zona") e um rio-grandino teria
dito:
— Esses baianos vêm para cá só para fazer bagunça.
Ficou furioso, especialmente porque não é baiano:
— Não gosto de ser chamado de baiano. Eles não têm limites,
mexem com as mulheres e faltam com respeito. Os baianos são responsáveis pelos
nordestinos terem essa fama.
Até a rivalidade entre os Estados lá do alto desembarcou por
aqui.
Fonte: Zero Hora
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