Hoje escreverei sobre um dos livros mais instigantes que li
nos últimos anos: Corporação 2020 – Como transformar as empresas para o mundo
de amanhã, do economista indiano Pavan Sukhdev. Pode parecer ousado (até porque
as propostas são bem diferentes), mas diria que é quase que uma evolução do
Canibais com garfo e faca, do John Elkington, que cunhou o termo triple bottom
line.
É um livro desconcertante, mas ao mesmo tempo didático. Ele
explica em que base nasceu e como se desenvolveu os princípios e valores
empresariais dos últimos 100 anos, focando em legislação, lobby, finanças e
publicidade. Logo na primeira frase do primeiro capítulo é possível ter noção
do que será a leitura:
“Contar a história da corporação é contar a de um grande
negócio que deu errado.”
O livro te dá uma visão sem floreios de como o capitalismo
se fundamentou e o custo socioambiental disso. E isso embrulha o estômago.
Embrulha, principalmente, por causa do lobby, o grande câncer desse século.
Quando falo sobre o problema do lobby para a sustentabilidade, adoro citar o
exemplo do “CEO do século”, Jack Welch, que enquanto pôde, lutou contra as
agências reguladoras de meio ambiente. Pesquisem qual a menina dos olhos da GE
hoje e o quanto ela fatura anualmente.
O livro fala bem sobre as crises. E fala dos ciclos de crise
que estão cada vez menores. Se pensarmos 1997-2008, posso contar a da Ásia, a
moratória da Argentina (ok, não foi global, mas deu uma ferrada no Brasil),
crise da Rússia e crise de 2008. Em 11 anos foram três crises mundiais e uma
que deu uma assustada aqui nos trópicos. Onze anos. Três crises e meio.
E por que será que as crises acontecem? As razões são as
mais diversas, mas no final, a conta sempre recai sobre regulamentação
governamental frouxa e ganhos do mercado financeiro sobrepondo ganhos de
produção. Lembrando que regulamentação frouxa é fruto de lobby forte. E se
olharmos pela ótica da sustentabilidade, dá ainda mais agonia de ver a lógica
de como as coisas funcionam.
Se depender do mercado, não, a sustentabilidade não vai ter
espaço além da eficiência operacional que ela gera atualmente. Não, os mercados
não querem ser os responsáveis pelas externalidades causadas. É a máxima do
capitalismo, de privatizar o lucro e socializar os prejuízos. Não, o mercado
não quer regulamentar a propaganda porque ele simplesmente quer vender.
Mas ao mesmo tempo em que expõe o nosso fracasso como corporação
1920, o livro aponta para o que seria um modelo de corporação 2020. Uma
corporação onde os recursos naturais são tributados, onde as alavancagens
financeiras são limitadas, onde as externalidades são internalizadas, onde o
modelo de publicidade é responsável...
Não, de forma alguma o livro é utópico. Pelo contrário,
propõe situações, fundamentalmente necessárias e viáveis, mas faz dois alertas:
a de que transformações importantes têm de começar nesta década e de que não
existem soluções elegantes (no sentido de que a transparência está
revolucionando os negócios e obrigando às empresas a tomarem decisões baseadas
em valores ao invés de lucro e curto prazo).
O livro mostra, também, exemplos de algumas empresas que já
caminham no sentido de serem corporações 2020. E é aqui que fica, em minha
opinião, a bola fora, ao apontar a Natura como exemplo. Ao contrário das
informações passadas ao autor, o sistema da Natura não permite às consultoras
viverem exclusivamente da venda dos produtos. Então isso não é empregabilidade
ou empoderamento de mulheres. É bico.
Por mais que exista legislação sobre o marketing direto, ele
não dá garantia trabalhista, garantia de tempo de aposentadoria, garantia de
licença em caso de problemas de saúde, férias e qualquer benefício minimamente
digno a um trabalhador. Ilegal não, mas para uma corporação que se diz 2020 ou
que queira ser 2020, é imoral.
Enfim, ainda há outras questões que fazem da Natura uma mera
empresa 1920 como quase todas as empresas, mas isso é papo para outro post.
E finalizando, vale demais a leitura. Em minha opinião, o
melhor livro de sustentabilidade corporativa nos últimos 14 anos, que deveria
ser lido não só nos interessados pelo tema, mas também por profissionais de
finanças, publicidade, marketing e administração.
Fonte: Administradores
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo participação!