Um texto para discutir a forma como esses espaços têm promovido a mercantilização de nossas vidas
Whatssapp, Waze, Facebook, Twitter, Instagram, Snapchat, Periscope, YouTube, Google. Muito mais do que meros ícones presentes em telas sensíveis ao toque de nossos smartphones, são aplicativos que fazem parte de nossas vidas de forma cada vez mais íntima e intensa. Muito se discute hoje em dia sobre essas chamadas redes sociais digitais. O que elas estão fazendo conosco, com nossos afetos, com nossos relacionamentos, com nossos negócios? São perguntas ainda sem respostas definitivas e que merecem reflexões cada vez mais profundas e essenciais. E as redes sociais hoje ganham a atenção de estudiosos de todo o mundo, nas mais diversas áreas do conhecimento: psicologia, medicina, marketing, antropologia, direito, entre outras, tamanha a complexidade de entendimento desses novos espaços online difusos que ganham cada vez mais presença no nosso cotidiano.
Acordamos e a primeira coisa que fazemos é pegar o celular, desligar o despertador e dar aquela olhada básica nas últimas conversas do Whatsapp, nos últimos likes do Instagram e nas últimas notificações do Facebook. Feito isso, pronto! Podemos começar nosso dia, ir ao banheiro, escovar os dentes, tomar café. Começamos o dia com nossos mil afazeres e esses aplicativos também merecem nossa atenção centenas de vezes ao dia. Rolamos o dedo pela tela de nosso smartphone às vezes sem mesmo perceber. É um ritual já tão impregnado nos nossos hábitos que nem nos damos conta de que o smartphone praticamente faz parte de nosso corpo. Não conseguimos mais imaginar nossas vidas sem a presença dessas ferramentas. Somos enquanto conectados, disse certa vez Massimo di Felice da ECA-USP.
O que pouca gente sabe e que, para mim, se trata de um dos pontos centrais desse debate é a lógica algorítmica desses aplicativos. Tudo isso é regido por um algoritmo. Tinder tem um algoritmo. Netflix tem um algoritmo. Facebook é regido por um algoritmo que muda todo santo dia. Twitter tem um algoritmo. O Waze tem um algoritmo incrível que sabe onde transitamos o dia inteiro. O algoritmo do Instagram nos sugere perfis que ele entende que poderíamos curtir. Ou seja, todos esses aplicativos possuem uma lógica algorítmica que absolutamente desconhecemos e que rege tudo que acontece ali dentro. Mas a serviço de quem trabalham esses algoritmos?
Como eles se apropriam de você
Toda vez que apertamos o ícone do Facebook na tela de nosso smartphone, o algoritmo nos sugere posts na nossa timeline que ele entende que gostaríamos de ver, e não necessariamente o que realmente gostaríamos de ver. E ele seleciona e categoriza essas publicações baseado em toda e qualquer interação que já tivemos com o Facebook, sobretudo no celular. O que clicamos, o que curtimos, a foto em que paramos com o dedo, o zoom que damos em uma foto, o que escrevemos, os check-ins, absolutamente tudo isso vira um log de programação lá dentro do Facebook, e os algoritmos vão fazendo isso milhões de vezes ao dia, juntos aos mais de 1,5 bilhão de usuários que temos hoje no planeta Terra. Há quem diga que até o que escrevemos e depois deletamos (sem postar) é capturado pelo algoritmo do Facebook. Há quem diga que o Google está capturando e gravando tudo que conversamos e distribuindo por geolocalização para seus mainframes no Vale do Silício.
As obscenidades que escrevemos no nosso Whatsapp estão sendo vigiadas pelo algoritmo? Claro! As intimidades que digitamos no Messenger do Facebook estão sendo fiscalizadas pelo algoritmo? Mas é lógico. E essa vigilância cada vez mais intensa existe para que eles nos conheçam mais de perto e usem as nossas ricas informações em formato de ads junto às marcas anunciantes que pagam caro por isso. Não pretendo aqui demonizar essa prática, mesmo porque vivemos num regime capitalista e de livre mercado. E, além disso, quando entramos nesses aplicativos nós aceitamos os termos e condições (e certamente não lemos). Enfim, topamos jogar o jogo e aceitamos as regras sem lê-las.
Recentemente os europeus venceram uma batalha contra essa lógica algorítmica. Um cidadão europeu possuía uma dívida no passado e um dia conseguiu resolvê-la. Mas o algoritmo do Google insistia em mostrar resultados de busca como se esse cidadão ainda fosse inadimplente. O caso foi parar na suprema corte europeia, que deu ganho de causa para o homem. Resultado: qualquer cidadão europeu tem a opção de não aparecer no Google. Afinal, como assim um buscador (com uma lógica algorítmica secreta e misteriosa) rege a nossa visibilidade perante as demais pessoas? Realmente, se pararmos para pensar, é algo muito esquisito. Parece que esse debate ético-jurídico ainda está em curso. Mas vitória para os europeus.
Como você se apropria deles
Há alguns anos, eu me aventurei a nadar nos revoltos mares da pesquisa acadêmica para tentar me aproximar de respostas. E para cumprir a difícil missão de achar essas respostas sobre como se dão as lógicas das turvas águas das redes sociais digitais, percebi que precisamos deixar de lado o snorkell e colocar um respirador com um tubo de oxigênio, quem sabe até mesmo um escafandro. O fato é que nesse mar difuso, complexo, dinâmico que é a comunicação digital, temos os sites de redes sociais digitais como atores fundamentais. Mas, apesar da imensa popularidade, na verdade, esses sites, eles próprios são meros atores coadjuvantes. O protagonismo está mesmo na forma como as pessoas se apropriam deles. O protagonismo está na apropriação social. Sem as pessoas e suas complexas formas de uso e apropriação desses espaços, de nada seria o Facebook. Mas não podemos desconsiderar que o Facebook (que adquiriu o Instagram e o Whatsapp) é que começa a ganhar cada vez mais a “batalha das audiências”, usando emprestado aqui o termo usado pelo pesquisador argentino Roberto Igarza.
O que são afinal essas redes sociais digitais? Como se dão as estratégias de uso e apropriação desses espaços virtuais? Por que as pessoas constroem modo de apresentação de si na cena digital que destoam de sua persona offline? É com base em tais questões que me debruço hoje. Mas sem pretender aprofundar na seara da psicanalítica, porém tomando emprestada a sua principal contribuição para o entendimento das complexas motivações do comportamento humano, podemos dizer que de modo consciente ou inconscientemente cada pessoa/usuário desenvolve uma série de estratégias de apropriação de um site de rede social digital como o Facebook.
Quem está certo e quem está errado nesse palco? Quem usa bem e quem usa mal as novas, magnéticas e sedutoras ferramentas digitais? Quem é mais competente e quem é menos competente em suas escolhas sobre o tipo de conteúdo que irá produzir e tornar público nos ambientes online? Não nos cabe oferecer simples respostas para essas perguntas. Devemos analisar e entender essas estratégias discursivas com o foco bem ajustado, conferindo-lhe o devido tamanho, sem euforia contida na retórica da “revolução” digital, porém com serenidade, rigor e sensatez.
Continuo mergulhando nessas águas, já não tão turvas e agitadas como eram há alguns anos atrás. Na verdade, percebi que não se trata de um mar, mas de um oceano. Profundo, imenso e imponente. Tenho hoje várias respostas para questões que me incomodavam, mas também tenho muito mais perguntas hoje. São novas perguntas. Mais complexas. Sem exercitar nenhum tipo de futurologismo, como estará essa arena online daqui 50 anos? Todos do planeta estarão devidamente conectados? E a lógica algorítmica estará regendo cada vez mais nossas vidas, mercantilizando nossas relações, dominando nosso dia a dia e nos deixando cada vez mais dependentes desses dispositivos de conexão? De que modo a forma com que nos apropriamos desses espaços está impactando as lógicas dos afetos? Quais seriam os efeitos danosos do uso irrefreado de sites de redes sociais? Até que ponto poderia se afirmar que as interações em aplicativos como Facebook, Instagram e Whatsapp intensificariam uma espécie de desconexão social nas pessoas? Já somos uma nova espécie por conta desses dispositivos online? Afinal, fazemos absolutamente tudo pelo celular hoje. Enfim, são questões candentes e entendo que os efeitos de longo prazo de nossas interações mediadas por esses dispositivos necessitem ainda de muito estudo.
Fonte: Administradores
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