Como posso incentivar um trabalho de equipe verdadeira quando uma parte desproporcional dos benefícios vem só para mim? Confira o texto "Uma carta ao Conselho há muito esperada", de Henry Mintzberg
Caros Membros do Conselho,
Escrevo aos senhores com uma proposta que pode lhes parecer radical. Na verdade, é uma proposta conservadora, na medida em que minha principal função como CEO desta corporação é garantir sua conservação como empreendimento saudável.
Solicito-lhes a redução de meu salário pela metade e a reformulação de minha bonificação nos termos que exponho a seguir. De agora em diante, desejo receber aumento salarial (bem como redução) na mesma proporção que nossos empregados operacionais.
Tenho falado insistentemente em trabalho em equipe durante meu exercício nesta função, que estamos todos juntos nisso, todo o nosso pessoal. E, no entanto, diferencio-me deles em virtude de minha compensação. Como posso incentivar um trabalho de equipe verdadeira quando uma parte desproporcional dos benefícios vem para mim? (Ultimamente, quanto mais pessoas têm tomado conhecimento de minha remuneração, mais tenho recebido correspondências carregadas de ódio. Isso é certamente desconcertante, mas o mais preocupante é que não tenho nenhuma resposta razoável a dar).
Hoje parece haver uma crença de que o CEO é quem faz tudo numa organização. Certamente lidero, mas unicamente respeitando a contribuição dos demais. Meu trabalho consiste em desencadear o potencial que existe em cada pessoa. O que torna verdadeiro aquele velho adágio sobre liderança – de que as pessoas dirão “nós mesmos fizemos”. Os verdadeiros líderes sabem disso. CEOs que têm de consertar tudo sozinhos quase sempre são sucedidos por organizações que entram em colapso. Teremos sido bem-sucedidos se nossa organização for tão rentável após minha passagem quanto é agora.
E isso me leva ao segundo ponto. Frequentemente, em nossas reuniões, discutimos sobre a saúde desta empresa a longo prazo. Por que, então, estou sendo recompensado por ganhos de curto prazo com generosas opções de compra de ações? E por que sempre aqueles números apertados? Sabemos todos que tenho mil maneiras de cortar os gastos à custa de nosso futuro. Se os senhores quiserem recompensar-me com base naqueles números, então poupem – até cinco anos depois de minha aposentadoria. Aí vocês verão!
Toda vez que começamos esse negócio de valor para o acionista, nossa cultura vai para o inferno. Nossos empregados da linha de frente me dizem que isso atrapalha seu atendimento aos clientes. Eles são obrigados a vê-los como cifrões, não como pessoas reais. E muitos desses funcionários já se importam com nada – “nós não contamos”, dizem, então por que devemos nos preocupar? Todos pagaremos caro por esses ganhos de curto prazo, asseguro-lhes. De fato, pergunto-me se essa onda de produtividade que estamos experimentando nos Estados Unidos não é nada mais do que os ganhos obtidos do corte dos custos de curto prazo – à custa da verdadeira produtividade. Afinal, não são necessários gênios para encerrar e cortar coisas. Difícil é construí-las; será que estamos fazendo isso de forma suficiente?
Sempre me orgulhei de correr riscos. Essa é uma das razões pelas quais os senhores me coloraram neste cargo. Examinemos, então, meu esquema de compensação. Faturo alto quando as ações sobem, mas não perco nada quando caem. Não preciso devolver sequer um centavo do que ganhei no ano anterior se uma reviravolta derrubar o preço das ações neste ano. Que grande jogador! Querem saber a verdade? Estou cansado de ser hipócrita.
E por que apenas eu? Por que não somos todos compensados de forma equivalente? Proponho que minhas bonificações, proporcionais a meu salário, não sejam superiores às das demais pessoas desta empresa. Não raro nos autoproclamamos uma “rede” sofisticada de “trabalhadores do conhecimento”, marchando rumo ao terceiro milênio. Não está na hora de alinhar nossas práticas à nossa retórica?
Agora me dou conta da linha que temos seguido o tempo inteiro: só estou sendo compensado para não ficar atrás de outros na minha posição. Ora, basta de cumplicidade com um comportamento que todos sabemos ser ultrajante. Francamente, não me importo se o salário de fulano é maior que o meu. Meu salário não deve ser uma espécie de troféu externo. É, acima de tudo, um sinal interno que serve para dizer a nosso pessoal o que realmente pensamos sobre este lugar. Paremos de fingir que os CEOs formam um tipo de clube de elite. É de liderança que estamos falando aqui, não de status.
Para ser perfeitamente honesto, estou tão ocupado conduzindo esta empresa que mal tenho tempo para gastar todo o dinheiro que recebo, que dirá com uma conspicuidade que demonstre seu valor. Minha família e eu estaremos bem amparados, garanto aos senhores, mesmo com o nível salarial que proponho. Permitam-me concentrar os esforços em tentar administrar este lugar como deve ser administrado. Confio em que os senhores terão compreendido esta carta como um investimento em nosso futuro. Porque, se não há futuro para nossa empresa nestes termos, também não há para nossa sociedade.
Atenciosamente, Chief Executive Officer
Fonte: Administradores
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