segunda-feira, 7 de setembro de 2015

E quando o “jeitinho brasileiro” sai pela culatra?

O “jeitinho malandro” que se atribui ao povo brasileiro é um sintoma psíquico e social de reação ao comportamento perverso de nossas elites e instituições pela forma como tratam as pessoas




Dentro do assunto de atendimento ao cliente, é possível de se verificar um quesito chamado de pré-abordagem, momento no qual o atendente tenta esboçar mentalmente uma primeira opinião sobre o cliente para que assim ele consiga prestar o melhor atendimento possível. Em um restaurante, por exemplo, um casal de namorados que saíram para comemorar o seu 5º aniversário de namoro deve ser abordado de forma diferente em comparação a um grupo de amigos que estão comemorando o fechamento das metas da empresa. O garçom que possui essa sensibilidade em perceber essas diferentes necessidades, com certeza terá grande sucesso em sua profissão.

Entretanto, quando um determinado grupo de clientes forma um estereótipo, fruto de constantes comportamentos que tendem a se repetir, para ou bem ou para o mal, os atendentes passam a fazer generalizações em seu atendimento, e é justamente aí que mora o perigo.

Em sua obra "O executivo e o martelo", os filósofos brasileiros Clóvis de Barros Filho e Arthur Meucci contam que os restaurantes importantes de Paris têm má vontade com clientes brasileiros. Quando buscaram explicações para essa discriminação, se depararam com a triste justificativa de que o brasileiro é “mal-educado”.

Ao investigar a raiz do problema, eles alegam que, de fato, é fácil verificar que nossos educados e endinheirados conterrâneos da elite se comportam em restaurantes, aqui e lá fora, de maneira ofensiva aos valores éticos e políticos enraizados na Europa.

Acenam acintosamente para ser atendidos e, se o garçom demora mais de trinta segundos, comportam-se como costumam fazer aqui: reclamam em voz alta ou fazem gestos grosseiros exigindo atenção imediata. Quando o garçom chega e não sorri, ou se recusa a comparecer repetidas vezes à mesa (pois não temos o hábito de pedir prontamente tudo de que precisamos), esquecem a nossa condição mítica de povo cordial e assumem atitudes impensáveis para seres civilizados, como usar o argumento que julgam definitivo: “Eu estou pagando!”.

Um verdadeiro desrespeito à cultura alheia, algo como se você resolvesse levar uma picanha para jantar na casa do seu amigo indiano.

Os autores continuam dizendo que é comum o brasileiro, que se considera “cordial”, recorrer à violência verbal e psicológica para agredir todo tipo de trabalhador que não faz o que ele deseja, que não sacia suas vontades. Afinal, nas escolas e na televisão nos ensinam que a única violência que existe é a física e que essa se pratica apenas nas camadas mais pobres da população. As violências simbólicas e psíquicas, cometidas constantemente pela elite e pelas empresas, não são classificadas como tal – no máximo, são consideradas “teste de resiliência”. Pune-se de forma rápida e rígida o aluno briguento, mas aquele que comete bullying sempre é aliviado.

Ao enquadrar como “servos” os garçons, balconistas, porteiros, motoristas e enfermeiros, negamos a humanidade deles exigindo que em qualquer circunstância nos atendam alegremente, realizando todos os nossos desejos prontamente, e que nos ajudem, ou melhor, “quebrem o galho” toda vez que as regras do estabelecimento não permitem (para a mudança de ingredientes em cardápios, prorrogação de prazos para pagamentos de boleto por esquecimento, visitas aos amigos no hospital fora do horário previsto etc.).

A condição de prestador de serviço em nosso país pesa como opressão.

E aí, meu amigo, vale o velho ditado: toda ação, no caso a falta de educação, gera uma reação.

É a partir desse momento que inúmeros exemplos do cotidiano, como a cuspida na bebida dada por um balconista depois de o cliente arrogante ofender sua dignidade no balcão exigindo presteza; as fofocas para desmoralizar o chefe que nos submeteu à humilhação; o atestado de saúde fraudado para conseguir uma folga após três semanas fazendo hora extra sem remuneração – resistência silenciosa, mas manifestada em pequenas atitudes contra o sistema, começam a se manifestar.

Para concluir o texto, utilizarei as palavras dos próprios autores:

O “jeitinho malandro” que se atribui ao povo brasileiro é um sintoma psíquico e social de reação ao comportamento perverso de nossas elites e instituições pela forma como tratam as pessoas.

Esse assunto acerca do “jeitinho brasileiro”, é claro, não tem nenhuma pretensão de se apresentar como novidade para você. Mas se for, fica aqui o alerta.



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