segunda-feira, 27 de abril de 2015

Pessoal, para que tantas regras?

Fazendo uma analogia meio nojenta, quanto mais pelos se acumulam, mais difícil é separá-los, e no fim de algum tempo temos um emaranhado indivisível entupindo o ralo




Imagine uma bola de pelos, daquelas bem nojentas que de vez em quando saem do ralo do banheiro. Um pelo só é algo bastante inofensivo. Uma meia dúzia deles e ainda assim você consegue se divertir, separando-os, talvez para passar o tempo, tentando adivinhar de onde cada um veio. Quanto mais pelos se acumulam, mais difícil é separá-los, e no fim de algum tempo temos um emaranhado indivisível entupindo o ralo, fazendo a água transbordar e criando toda uma bagunça.

Quando uma organização nasce, ela é limpinha, lisinha como bumbum de nenê. À medida que cresce, o empreendedor não consegue estar em todos os lugares ao mesmo tempo, e é preciso criar algumas regras para que as coisas continuem andando normalmente.

Cada regra é um fio no emaranhado que a organização vai se tornando. Enquanto as regras forem poucas, ainda é possível enxergar uma luz no fim do túnel e fazer as coisas fluírem. Quanto mais regras, maior a chance de a coisa toda se tornar um emaranhado e entupir tudo pelo caminho. O mundo está cheio de exemplos de empresas que começaram lindas e eficientes e terminaram em um emaranhado de burocracia. A imagem da bola de pelo, apesar de meio nojenta, é uma boa lembrança aos gestores de que não devem exagerar nas regras que criam, sob o risco de transformarem uma organização eficiente em uma grande confusão.

Cada regra não deve ser só seguida, fiscalizada e acompanhada como frequentemente descobrimos a famosa “lei das consequências inesperadas”. Se você criar uma regra, as pessoas irão segui-la. Acontece que no mundo real as coisas são mais complexas do que no papel. E assim muitas empresas colocam cotas em seus vendedores achando que estão fazendo um bom negócio, e descobrem um tempo depois que, à medida que o prazo começa a se aproximar, seus vendedores começam a ficar agressivos e dar benefícios demais aos compradores enquanto tentam seguir a nova regra. 

Compradores espertos aprendem a ir às compras quando os vendedores estão desesperados para bater metas, nem que para isso tenham que fazer belos descontos. A regra que deveria estimular as vendas estimula a guerra de preços. A lição é que toda vez que você altera um sistema complexo, deve se preparar para pagar um preço que não previa.

A bola de pelos também é uma bela imagem do que o excesso de regulamentações e burocracias está fazendo com o nosso país.

Em algum lugar, algum dia, determinada regra deve ter feito sentido. Como cada burocrata costuma olhar para o mundo de uma forma bem estreita, se preocupando com seus próprios afazeres, a tendência é que mais e mais regras sejam estabelecidas. O burocrata acha que está fazendo um bom trabalho, mas no todo, a bola de pelos cresce cada vez mais. Mais pessoas e empresas tem que ler e se adequar às novidades, mais gente precisa fiscalizar. Mais tempo e dinheiro será gasto executando essa nova adição à bola de pelos administrativa.

Esse também é um dos principais argumentos a favor do liberalismo econômico. Ninguém discute que o governo deve intervir em algumas áreas, fiscalizando a segurança e efetividade de determinadas partes da economia que ofereçam um risco grande à população caso as coisas deem errado.

O problema é quando não há limites e a bola de pelos fica cada vez maior. Alguém vai ao shopping, resolve que o estacionamento está caro e em breve se vê discussões sobre se o governo não deveria intervir nisso. Alguém vai ao cinema na mesma semana de um grande lançamento, e de repente a Ancine está discutindo cotas para produções menores com as salas de cinema. Pouco importa que você sempre tem a opção de ir de ônibus ao shopping (ou, deus me livre, ir caminhar no parque), ou pior, ser obrigado a conversar com as pessoas à sua volta em uma semana em que não tenha nada que você goste passando (sem contar as opções daquela invenção fantástica, a televisão).

Eu peguei alvos fáceis, mas o mesmo vale para regulamentações de conteúdo nacional na TV a Cabo, novos extintores veiculares (talvez seja mais fácil e seguro mandar as pessoas fugirem da rara situação em que um carro está pegando fogo do que equipar todos os carros e esperar que as pessoas apaguem incêndios) sem falar em campos mais espinhosos como as relações de trabalho, regulação da mídia e a liberdade de expressão na Internet.

A questão que devemos fazer, em uma sociedade cada vez mais regulada é: Precisamos de tantos pelos em nossas bolas? Afinal, para cada regra, cada regulamento, um mínimo de pessoas terá que fiscalizar a coisa toda, multar quem não se adequa, sem contar nos custos que isso trará a cada empresa. Em boa parte das vezes, os custos em tempo, dinheiro, e no bom e velho enchimento de saco se tornam muito mais altos do que se previa.

De minha parte, se alguém quer gastar duzentos milhões de dólares para arremessar carros de um avião, posso viver com a ideia de que na semana do lançamento os cinemas estejam lotados por um só filme. É o lucro das empresas nesse tipo de projeto que faz com que os estúdios possam arriscar aqueles projetos diferentes que volta e meia chamam a atenção. O mesmo vale em todas as outras áreas. Se minha vida não depende disso, que construam um shopping e cobrem trezentos reais pelo estacionamento, ou lancem um pacote de TV a cabo com coreanos comendo tortas em todos os canais. Se existe um mercado com compradores e vendedores, tenho todo o direito de dizer “não, obrigado” e ir cuidar da minha vida.

Enfiar regras goela abaixo dos outros, seja sobre filmes franceses ou extintores veiculares novos, me parece apenas mais um pelo desnecessário ao nosso entupido encanamento.

A próxima vez que você se pegar pensando sobre a validade de uma regra, ou quem sabe até esteja pensando em criar uma na área em que atua, vale pensar: será mesmo que o mundo realmente não pode viver sem isso?



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