segunda-feira, 27 de abril de 2015

A chave para uma boa história

Antes de pensar em jornada do herói e narrativas mirabolantes sobre a marca, existe um detalhe que não pode ser esquecido




Na época em que trabalhei em um jornal diário, tive de apurar o comportamento empreendedor de donos de mercadinhos de bairro em João Pessoa. As grandes redes de supermercados não intimidam os pequenos empresários, que mantêm uma clientela fixa através de seus próprios meios de conquista. Conseguir informações de uma grande loja sempre é algo protocolar e burocrático. Com as pequenas, fui acolhido como se fosse de casa e ouvi histórias fantásticas.

Em uma bodega minúscula num bairro nobre da cidade, vi que eles não aceitavam cartão de crédito. O dono, que também era o caixa, tinha um caderno roto, todo rabiscado, preso por um arame na parede. Era a lista de clientes que deixaram as contas 'penduradas', um sistema de crédito primitivo, porém ainda utilizado como estratégia, e das bem-sucedidas: as pessoas com nomes no caderno fazem compras toda semana ou mês. Perguntei se não vendia bebidas e alimentos para consumo no local, ao que obtive a resposta mais encantadora de todas: "Não... não tenho paciência com 'bebos'".

Quando o dono de um mercadinho diz que "não tem paciência para 'bebos'", abre possibilidades de leituras diversas sobre sua própria história e a da sua empresa. Força a curiosidade a trabalhar. Por que não tem paciência? Já teve de expulsar bêbados? São maus pagadores, afastam os outros clientes, criam confusão? Um cliente casual pode desvendar aos poucos essas questões e, quando menos percebe, cria empatia. Sem olhar para os preços, vai querer voltar lá. Se encontrar algum alimento vencido na sacola, vai prestar contas diretamente com o dono. Esse é o trunfo dos mercadinhos de bairro.

A essa altura, creio que até você já se interessou pela história da bodega.

Uma grande empresa teria blindado a si própria, como se eu fosse inimigo – como ocorreu em outras ocasiões. Lançaria a ofensiva com um release ou comunicado institucional e daria o assunto por encerrado. O departamento de publicidade e contação de histórias é delegado a uma ou mais agências, que deixam as coisas coloridas e palatáveis. Finda-se o show, saem os espectadores, arria-se a porta do teatro. Até a próxima balbúrdia.

Nos últimos anos foi resgatado o conceito de storytelling. Existem cursos para isso. A principal metodologia é a famigerada "jornada do herói", a maior referência é o Livro das mil e uma noites. Nada contra, mas contar histórias diz respeito menos à forma do que à – anote a palavra – espontaneidade.

A metodologia foi aplicada com maestria pelas marcas Diletto e Suco do Bem. As histórias foram fabricadas, pouco ou nada do que foi relatado nas narrativas das marcas aconteceu. O caso foi bater no Procon. Por outro lado, temos a marca SBT, fortemente vinculada à imagem do seu fundador, Sílvio Santos, que sempre conseguiu emplacar sua história de vida – um camelô que se tornou um dos homens mais ricos do Brasil – sem pagar um centavo para agências de storytelling. Assim como Sílvio, o SBT é inesperado e inusitado ao ponto de homenagear e tirar sarro da concorrente sisuda. Resultado: as pessoas amam o SBT e pedem boicote à Globo. Talvez isso não se reflita em liderança de mercado, mas sabemos que a audiência da TV despenca e, no fim, o que vai importar é o valor que foi construído pela marca. Liderança vem e vai. Valores permanecem.

Sílvio Santos se sobressaiu até na história do próprio sequestro. Todos lembram da sua candidatura malograda à presidência. E de como o seriado Chaves supera qualquer programação da concorrência, não importa o horário. A Globo mal conseguiu dar uma desculpa para seu apoio óbvio ao golpe militar – cinquenta anos depois do ocorrido e através de um editorial sem assinatura.

Steve Jobs nunca se preocupou em parecer menos grosso enquanto chefe, desde que posasse como o gênio da Apple – algo que Tim Cook nunca conseguiu reproduzir. O descolado Richard Branson é a cara da Virgin. Nenhum deles força a barra: agem espontaneamente. Embora teóricos defendam que todos os relatos, mesmo referentes a fatos reais, não passam de ficção – contamos o que nossa memória enviesada pelo contexto histórico impõe –, storytelling é uma estratégia que só faz sentido se for verdadeiro, espontâneo, sincero. Principalmente, como diria Cortázar, no meio da "imensa algaravia do mundo".



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo participação!