Abrir uma startup é embarcar em uma aventura que não se sabe o destino final. Eu vivi (e vivo) essa experiência e vou contar os 100 primeiros dias desse trajeto
Desde que cheguei ao Administradores, há mais de cinco anos, recebi estímulos generosos de empreendedorismo. Sempre fizemos entrevistas com grandes visionários, que encontravam barreiras, mas batalhavam por um sonho. O próprio Administradores surgiu assim: quando ainda estudante, Leandro (Vieira, fundador) pensou em uma ideia para melhorar a comunicação de todos os envolvidos com Administração.
Com tantas inspirações não tinha como não se encantar e também querer construir algo que pudesse fazer a diferença. E essa pré-disposição culminou na minha primeira startup. Fazíamos a reportagem 2014: o ano da sua startup. Ela, justamente, quebrava o mito que o termo ganhou: de um negócio fácil, de algo que enriquece da noite para o dia e de ser uma alternativa tranquila ao emprego fixo.
Com a matéria publicada, veio um formigamento em forma de pergunta: “por que não fazer 2014 ser o ano da minha startup?” - e foi isso que fiz. Com uma ideia promissora que tinha visualizado dois anos antes, convidei uma equipe que considerei capaz de realizar esse quebra-cabeça – Simone, João e Júnior – e embarquei nessa aventura chamada: startup. Logo nos primeiros dias dessa jornada tivemos uma grata surpresa. Submetemos a ideia a um programa de capacitação do Sebrae voltado a startups e ficamos entre os 40 selecionados de mais de 150 projetos.
E aqui a primeira pausa para uma observação: busque se capacitar colocando a mão na massa. A entrada nesse programa foi fundamental em nosso crescimento. Por mais matérias que tenhamos escrito, por mais livros que tenhamos lido, vivenciar situações trouxe um aprendizado incomparável. E fomos, várias vezes, colocados à prova disso nesses 100 dias.
Já na primeira mentoria fomos divididos em grupos e instigados ao nosso primeiro desafio. Com duas folhas de papel e uma moeda de R$ 1,00, o objetivo era sair na rua e transformar “aquilo” na maior quantidade de dinheiro possível. O nosso grupo bolou uma pesquisa para saber quem doava mais: o homem ou a mulher. Com um sol caprichado de 12h, fomos para as ruas perguntar às pessoas (e para comprovar as suas respostas, elas eram convencidas a doar qualquer quantia). Fui mal: consegui um pouco menos de R$ 10,00, um calo no pé de tanto andar e um abacaxi de um feirante (que não tinha moeda).
Teve grupo que cantou na parada de ônibus, que fez caricatura, que criou jogo de azar, que conseguiu oferecer publicidade... Enfim, pode até parecer gincana boba de colégio, mas só parece. Muitas vezes estamos em nossa zona de conforto no escritório, e não temos noção do quanto é difícil sair na rua para convencer as pessoas de algo que a façam abrir a carteira. O empreendedor e a startup que acreditam fazer algo revolucionário, mas não buscam, ao menos, conversar com o seu potencial público ou cliente, têm mais chances de fracassar.
O aperto
As mentorias seguiam pelas próximas semanas e o nosso “time” mostrava-se afiado. Estávamos estimulados, empolgados e envolvidos. As características de uma startup – escalabilidade, repetitividade e cenário de incerteza –, além do nosso canvas e layout da plataforma, estavam na ponta da língua e do papel. Tínhamos a certeza de que andávamos no caminho certo, mesmo alterando a monetização e a ideia do negócio algumas dezenas de vezes.
Então, surgiu uma boa oportunidade de testar. Fomos selecionados para fazer uma apresentação na Demo Brasil Nordeste – um dos importantes palcos de inovação do país. Da seleção até o dia da apresentação foi uma correria contra o tempo. Queríamos colocar a nossa versão beta no ar, tínhamos que produzir material gráfico, alinhar as diretrizes do negócio e, claro, eu teria que apresentar o temido pitch de quatro minutos.
O evento foi fabuloso. Foi a primeira vez, com estande montado, que tivemos contato com o grande público. Isso nos ajudou a validar a nossa ideia, apesar de que não conseguimos lançar a nossa versão beta. Já a apresentação teve o seu ar dramático. No pitch, os empreendedores ficavam atrás do palco esperando o seu momento para falar. Era estranho: eu olhava em volta e só via rostos assustados, nervosos e uma temeridade que fugia da racionalidade. Se você não é um palestrante de carteirinha, encarar um público de mais de 400 pessoas, ser filmado e ainda ser julgado por uma banca, realmente não é algo confortável. Meu rosto, com certeza, também estava assustado, nervoso e com uma incrível temeridade.
É interessante que cada um tem uma forma de extravasar ou demonstrar a sua tensão. A minha, curiosamente, é fazendo xixi. Fico com uma vontade abismada de ir ao banheiro em momentos de pressão. Em 30 minutos atrás do palco, aconteceu meu recorde: foram 16 vezes. Sério! Eu não sabia de onde vinha tanto xixi. Mais algumas vezes e ficaria desidratado. Pensei: “se a apresentação não fosse boa, pelo menos, poderia ir para os Guinness”.
Era a minha vez. Entrei no palco com uma ligeira vontade de fazer xixi – de novo – mas agora era apenas dizer o que tinha na cabeça. Após os quatro minutos foi a hora da banca falar – e parecia uma inquisição: os jurados não economizaram em críticas e perguntas capciosas. Em vez de me abater, aquilo deu um gás extra. Das críticas surgiam insights fabulosos que faziam minha cabeça ficar a mil. Novamente, íamos remodelar o modelo de negócio. Quando dizem que uma crítica pode ser extremamente construtiva, pode ter certeza, essa é uma verdade absoluta.
Misto de emoções
O mês seguinte chegou, tínhamos quase 50 dias de startup. E talvez tenha sido o período com mais emoções. Não, não foi ainda nesse período que conseguimos lançar a versão beta. Nosso planejamento, pela segunda vez, saiu errado. A estimativa do dia 13 foi frustrada por faltar comunicação e sobrar orgulho. Naquela vontade de dizer “eu consigo”, nossos programadores cometeram o erro que muitas startups fazem: não pedir auxílio quando estão travados. Resultado, próximo do lançamento previsto, haviam ainda bugs no sistema, o que tornava impraticável colocar no ar. Eu, numa ação intempestiva, elaborei um layout simples para, pelo menos, suprir esse problema de não ter nada na web. Porém, fiz da pior forma possível e acabei publicando por cima daquilo que estava quase pronto. Ou seja, houve muita emoção, reclamação e pouca razão. Restava apenas adiar o lançamento, trabalhar com mais calma e que todo o grupo fosse bem mais comunicativo.
E aqui a segunda pausa para uma observação: é muito importante trabalhar em equipe, dialogar, não ter medo de pedir ajuda e deixar sempre atualizado o restante do grupo sobre as tarefas realizadas. Foi uma lição que demoramos para aprender, mas que ao conseguirmos vencer essa barreira, o trabalho passou a andar em passos largos.
Esse mesmo mês também reservou mais um desafiador pitch. No entanto, depois de uma mentoria específica de apresentação pelo Sebrae, eu estava bem mais seguro. Fui somente nove vezes fazer xixi antes da apresentação. Na banca avaliadora estava novamente o jurado que mais criticou nosso projeto na Demo. Era hora de colocar a cara à tapa de novo se fosse preciso, mas queria me superar. Treinei muito para a apresentação e coloquei uma storytelling. Após os cinco minutos, era a vez dos jurados com suas perguntas e colocações. O primeiro a falar foi justamente o mesmo da Demo. Dessa vez, somente elogios. O salto que demos, em um mês, sobre a visão de negócios, foi impressionante. Os outros jurados também mantiveram os elogios e, no final do dia, ficamos em terceiro lugar entre mais de 25 startups que se apresentaram. Foi um misto de muita emoção de toda a equipe. Isso ajudou a nos unir e mostrar o que desejávamos e onde queríamos chegar.
A primeira venda e o lançamento
Chegou o mês seguinte – 70 dias e não foi nesse mês, ainda, que a plataforma estreou. Mas quem disse que você precisa de uma ferramenta para vender? Quem vende, na verdade, são pessoas. E essa foi uma lição que aprendemos. Testamos um dos nossos modelos de negócios que compõem a venda de produtos. Aproveitando a realização de um grande evento no meio esportivo, superamos nossa expectativa de vender 20 camisas para comercializar mais de 200. Era muito legal ver todos usando e curtindo o produto. A sensação era de missão cumprida.
O outro mês chegou, completamos os 100 primeiros dias da startup e a felicidade era intensa. Foi nesse mês que a nossa versão beta finalmente saiu. Com os ajustes feitos, com a certeza de que estávamos prontos para esse momento, fizemos o lançamento no RoboCup – o campeonato mundial de robôs. Depois de dias de muito trabalho e esforço, foi feita a nossa sonhada estreia. Era o primeiro dia que estávamos no ar... primeiro dia... primeiro... Aí, foi com as palavras de um empreendedor mais experiente, que a ficha caiu de vez: “essa foi a parte fácil. É agora que começa verdadeiramente a sua startup”. E, de fato, é isso mesmo. Esqueça o resto, o primeiro dia vem agora.
Nossas preocupações triplicaram. Era o momento de convidar o público-alvo, de apresentar para a imprensa, de fazer ações de marketing, de novos ajustes, de dormir ainda menos horas por dia, de fazer a coisa acontecer. E a adesão foi incrível. Saímos nos 20 dias seguintes em mais de 30 veículos de comunicação, entre eles, os principais na área de empreendedorismo do Brasil. Todo mundo queria saber um pouco mais do nosso trabalho em prol dos atletas brasileiros e não seria eu que não contaria.
Premiações e trabalho... muito trabalho
Passados os 50 dias com a plataforma no ar, teria mais um pitch para realizar, na verdade, alguns. Fomos finalistas no Rio Info com a startup, apresentamos para investidores, tivemos convites para falar em outros eventos e fizemos ótimas parcerias e contatos. Era o momento de expor o nosso projeto, os resultados iniciais, e fizemos bem isso. Com a capacitação do Sebrae em andamento, estávamos aperfeiçoando pontos que antes outros grupos faziam vista grossa, como finanças, registro de marca e abertura de empresa.
E aqui a terceira pausa para uma nova observação: divulgue! Por mais encantador e revolucionário que seja o seu produto, se ninguém conhecer, ele não vai para frente. E, nesse sentido, você tem mil e uma maneiras de fazer isso – das mais caras até as mais baratas.
Com quase 100 dias de startup - começamos a ver alguns daqueles 40 projetos que entraram no Sebrae conosco não sendo continuados. Muitos desistiram ou mudaram o foco. E isso me fez lembrar de muitas das matérias que lia e fazia com empreendedores - quando indicavam que 99% das startups morriam, que ser resiliente é uma característica fundamental, o quão é necessário montar uma boa equipe e que os grandes resultados não aparecem da noite para o dia. Era exatamente isso que eu vivenciava com meus três companheiros de jornada nesses 200 dias totais de startup. Entramos de uma maneira nessa aventura e já nos encontramos transformados, mais maduros e com a certeza de que importantes passos foram dados, mas, sem dúvida, os maiores desafios ainda estão por vir. Principalmente para nós, que queremos estar no 1% da estatística das startups que deram certo. E que o trabalho continue...
Fonte: Administradores
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