Segundo Guerreiro Ramos, o maior desafio da Administração Pública, no Brasil, é sair do formalismo: a diferença entre o que está no papel e o que acontece na realidade. A Administração Pública brasileira é um conjunto de prescrições, por meio de leis. Ela se desenvolveu sem considerar as características próprias da sociedade brasileira, por inspirar-se em outros modelos, completamente distantes da nossa história.
De fato, muitas idéias, programas e modelos de serviços públicos são considerados os melhores do mundo, como, por exemplo, o da Previdência Social. Contudo, na aplicação prática, o que se vê são filas, pessoas que esperam dez anos por uma aposentadoria, fraudes e desvios.
O Brasil, por ser uma sociedade complexa e um país imenso, com grandes desigualdades regionais, procurou constituir-se como um Estado unificado, centralizado. Os Estados Unidos, ao contrário, procuraram descentralizar suas decisões, constituindo-se em uma federação de Estados independentes. Desse modo, sua Constituição é simples e pouco detalhada. Nós, ao contrário, detalhamos em excesso a Constituição Federal, exatamente para criar um pensamento único. O cipoal de leis e seu excessivo detalhamento criam esse formalismo.
Neste sentido, o formalismo, em seus diversos significados, mostra uma Administração Pública criada como uma expressão das elites dominantes, com o deslocamento de objetivos sociais, e um excessivo controle baseado em leis. Há uma nítida discrepância entre a conduta concreta e as normas prescritas, pois estas normas parecem querer prever tudo, controlar tudo e todos.
Em minha opinião, o excesso de leis que regulam a Administração Pública brasileira é retrato da falta de confiança na sociedade. O formalismo brasileiro é a representação dessa desconfiança.
Embora vários autores o tenham detectado desde as primeiras iniciativas de constituir-se o Estado brasileiro, nenhum deles mostrou como isto afetou ou afeta o desenvolvimento nacional.
O formalismo não é uma doença ou patologia própria do nosso país. Em geral, acontece com países colonizados, como foi o nosso (mas não aconteceu com nossos vizinhos americanos), como uma estratégia na relação com o mundo externo. As colônia antigas são receptivas às influências dos colonizadores, apesar de sua realidade estar abaixo do nível histórico de tais influências.
Isso faz surgir uma dualidade: o que é verdade e o que parece verdade, mas ninguém acredita. São dois opostos que continuamente criam efeitos mútuos.
A modernização da Administração Pública, por esse motivo, constitui um problema difícil, exigindo-se uma ação administrativa e política combinada, com o esforço de todos para a superação dos obstáculos.
A modernização, transformação ou mudança da Administração das empresas públicas, qualquer que seja o nome que se dê ao seu aperfeiçoamento, terá de ser um processo voluntário e político para superar este passado, marcado por grande decepção de todos os brasileiros com grande parte dos serviços prestados ao povo. É claro que temos água, luz, educação, serviços de saúde, segurança, coleta de lixo, aposentadoria, muitos dos quais não tínhamos até meados do século XX.
Mas qual a qualidade deles? O que pagamos em impostos está sendo bem retribuído com serviços?
Existem no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão vários projetos, a cargo do Conselho de Reforma do Estado (criado pelo decreto 1.738, de 1995). Fazem parte desses projetos o Programa de Qualidade e Participação na Administração Pública e a Rede Governo, visando a criação de uma infra-estrutura integrada de comunicação e serviços.
A busca de qualidade e excelência na gestão pública poderá dar resultados porque foca o usuário ou cliente. A gestão da qualidade cria uma perspectiva diferente da tradicional, pois torna-se importante conhecer esses clientes, quem são e o que eles necessitam ou desejam.
Teremos que passar de uma administração tradicional para uma gestão de qualidade, para buscar maior satisfação do cidadão com os serviços prestados e a maior eficiência no uso dos recursos.
A gerência tradicional que tolera erros, compactua ou cala sobre eles não poderá mais ser praticada. O modelo burocrático, com seus departamentos trabalhando isoladamente, obedecendo a uma estrutura verticalizada já não funciona mais no mundo onde todos se consideram poderosos. Assim, cidadãos insatisfeitos quebram guichês, agridem funcionários sem saber que estes não podem fazer mais do que fazem por falta de recursos, pessoal ou materiais. Será preciso dar poder de decisão àqueles que estão na linha de frente do balcão e lidam diretamente com os clientes. Mudar as estruturas de poder e fazê-lo baixar do topo para as bases será verdadeiramente o desafio que espera a Administração no Brasil.
Você que fará parte, em breve, da Administração Pública, terá de conhecer esses desafios e participar dessa transformação. Só assim teremos um país melhor e mais humano, onde o indivíduo mais simples e humilde seja tratado como cidadão respeitado.
E, se por acaso, um jovem estrangeiro, de 26 anos, visitar o país, no futuro, que ele possa se admirar e escrever em seu livro: “existe aqui uma democracia e o governo não é um mal, mas um bem.”
Momento do ADM, Prof. Tânia Lúcia Morato Fantini - 18 de abril 2017.
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