terça-feira, 24 de junho de 2014

Espaço do Administrador - Teorias da Globalização - parte 2




No âmbito do sistema mundial, coloca-se também o problema da hegemonia, isto é, do Estado-nação mais forte e influente, monopolizando técnicas de poder e oferecendo ou impondo diretrizes aos outros. Em dada época, o mundo pode estar polarizado em torno dos Estados Unidos e da União Soviética, ao passo que em outra polariza-se em torno dos Estados Unidos, Japão e Alemanha, ou Europa Ocidental.

Há um evidente ocidentalismo, juntamente com o capitalismo, quando as interpretações esclarecem o modo pelo qual as partes, as unidades, os segmentos ou os atores menos desenvolvidos, isto é, arcaicos, periféricos ou marginais são contemplados na organização e dinâmica da sociedade mundial. Também a teoria sistêmica do mundo compreende as noções de ocidentalismo e capitalismo. São os padrões, os ideais e as instituições do capitalismo e ocidentalismo, ou vice-versa, que comandam a organização e dinâmica da mundialização. E mundialização é também e sempre modernização, mas modernização nos moldes dos capitalismo ocidental. É possível dizer que a teoria da modernização mundial adquire mais consistência quando se complementa, ou sofistica, com a teoria sistêmica do mundo.

A interpretação sistêmica das relações internacionais já está bastante desenvolvida em estudos e controvérsias sobre a problemática da mundialização. A teoria sistêmica parece oferecer quadros de referência consistentes, de modo a taquigrafar aspectos importantes da organização e dinâmica da sociedade mundial.

Sob vários aspectos, as interpretações sistêmicas do mundo constituem-se em ingredientes não só ativos, mas fundamentais, do modo pelo qual está ocorrendo a globalização. Constituem um vasto e complexo tecido de interpretações, orientando as atividades e os ideários de muitos atores e elites presentes e atuantes nos mais diversos lugares. Ajudam a organizar o mapa do mundo em conformidade com a perspectiva e os interesses daqueles que predominam no jogo das forças presentes e atuantes nas configurações e nos movimentos da sociedade global.

Desde que a civilização ocidental passou a predominar nos quatro cantos do mundo, a idéia de modernização passou a ser o emblema do desenvolvimento, crescimento, evolução ou progresso. As noções de metrópole e colônia, império e imperialismo, interdependência e dependência, entre outras, expressam também o vaivém do processo histórico-social de ocidentalização ou modernização do mundo. A própria atuação da Organização das Nações Unidas (ONU), por suas diversas organizações filiadas, no que se refere à economia, política, cultura, educação e outras esferas da vida social, tem sido uma atuação destinada a apoiar, incentivar, orientar ou induzir à modernização, nos moldes do ocidentalismo. A modernização do mundo implica a difusão e sedimentação dos padrões e valores socioculturais predominantes na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. A tese da modernização do mundo sempre leva consigo a tese de sua ocidentalização, compreendendo principalmente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos.

Ponto vital da competição, pátria dos bem-sucedidos, os Estados Unidos abrigam boa parte dos inventores da globalização. Lá, o espírito internacionalista é tão arraigado que a decisão do campeonato nacional de beisebol, tradicionalmente o esporte da massa operária, foi batizada há mais de um século como a World Series. A Coca-Cola, o automóvel, o basquete, o par de jeans, Madonna e o hambúrguer parecem confirmar plenamente essa impressão.

O jornalista William Greider ( publicação: exame data: 12/03/1997 edição: 631 pág.: 25) acaba de conquistar atenção e alguma fama com sua volumosa pesquisa sobre os males da diáspora fabril, One World, Ready or Not (Simon & Schuster, 528 páginas). Para o hiperativo Greider, antigo repórter do Village Voice que rodou o mundo em busca de provas para o vaticínio de que sociedades e mercados não podem conviver em paz, o freio à globalização está no simples fato de que mercadorias e tecnologias necessárias à sua produção conseguem viajar livremente, enquanto as pessoas estão presas ao microcosmo onde nasceram. Seu corolário, imaginativo, sugere que os Estados Unidos ganhariam muito mais exportando a sua democracia do que capitais: pessoas livres dariam confiabilidade e perenidade a uma integração econômica que estaria resvalando para uma recessão pavorosa.

A leitura fornecerá casos interessantes, num périplo montado sob medida para retratar a exploração humana. Mas o essencial está na alma do pesquisador: para desmontar uma idéia querida e acalentada pelos americanos, um jornalista americano usa o melhor pensamento americano e constata, desolado, que o mundo não tem energia para funcionar como desejariam esses mesmos americanos. Quase tudo certo, com exceção de um detalhe: o pensamento americano desta segunda metade do século XX padece de esquizofrenia, resultado do encolhimento acelerado da fatia que os Estados Unidos chegaram a deter no conjunto da riqueza mundial. Essa dieta não aparece ao primeiro olhar, mas é dramática — dos quase 50% do PIB planetário na segunda metade da década de 40, a participação caiu para menos de 23% pelo último relatório do Banco Mundial. Com responsabilidade militar sensivelmente parecida, a primeira potência está cada vez mais curta de bolso. A globalização é vital para os Estados Unidos por uma questão de sobrevivência— e nunca de afirmação da supremacia consolidada duas gerações atrás. Aqui parece que há um confronto de opiniões comparando com o livro: para Octavio Ianni  isso já vinha desde a época que o jornalista diz que não, ou seja, até mesmo um pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial, particularmente concordo com Octavio. Ele expõe seus depoimentos de como o inglês é evidentemente de soberania mundial. O inglês começou a mundializar-se como idioma do imperialismo britânico; em seguida, desde o término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e, mais ainda, desde o término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), difundiu-se também como idioma oficial do imperialismo norte-americano. Na época da globalização do mundo, quando se intensificam e generalizam as relações, os processos e as estruturas do capitalismo, o inglês com o qual se fala, escreve e pensa adquire novos significados, transforma-se na bíblia para os religiosos, o idioma da “aldeia global”. Grande parte da produção científica, filosófica e artística está formulada nessa língua, por suas versões originais ou por suas traduções. A universalização do inglês, portanto, não significa automaticamente a homogeneização dos modos de falar, escrever e pensar, ou ser, agir, sentir, imaginar e fabular. É inegável que as mais diversas modalidades de organizar a vida e o trabalho continuarão a produzir e a desenvolver as diferenças e diversidades.

 A dependência econômica dos Estados Unidos tornou-se progressivamente óbvia com a ascensão dos Tigres Asiáticos, diz o jornalista William Greider . Depois de quatro séculos seguidos de unidade absoluta entre o núcleo gerador de capitais excedentes e o epicentro político-militar, o capitalismo entrou numa fase algo estranha, em que a força bruta continuou monopolizada na América, enquanto o espaço asiático passou a irradiar eficiência econômica. Esse fato, incompreensível e inaceitável para um americano criado depois da II Grande Guerra, não significa decadência da primeira potência. É provável que o mundo esteja tateando formas de governo federativo, com uma distribuição de poder ao menos bicéfala, numa espécie de simbiose entre a espada e o talão de cheques. Quem deu a primeira explicação lógica para esse movimento foi, por sinal, um italiano, Giovanni Arrighi, que trabalha numa universidade pública de Nova York e escreveu, em 1994, The Long Twentieth Century (Verso, Londres, 380 páginas). Essa repartição do poder, mesmo que circunstanciada e ancorada nas paragens distantes do Nascente, materializaria o desejo obsessivo dos pequenos povos europeus durante todo este milênio.

A chave para uma descentralização surpreendente e inesperada está na ampla supremacia militar americana. Os tigres emergentes formam nada mais que um arquipélago. Coréia, Japão, Shangai, Hong-Kong, Cingapura, pequenas ilhas de prosperidade sem a menor possibilidade de cristalizar um espaço contínuo que, algum dia, poderia se contrapor ao monopólio da força. Os Estados Unidos garantem o bem-estar de sua população num ambiente tranqüilo, onde seu déficit público crônico será coberto com parte do excedente controlado do arquipélago. A Organização Mundial do Comércio tem um papel de intermediário privilegiado nesse arranjo de conveniência, onde a grande questão aberta é estimar corretamente o papel de alguns outros grandes contínuos, sobretudo a Rússia e a América do Sul.

Para o cidadão americano que raramente se lembra do resto do mundo, a normalidade chama-se globalização, no que está absolutamente certo. Vaticinar o fracasso desse grande movimento é tão estúpido quanto foi a resistência às viagens dos descobridores no início da Era Moderna. Mas vale a pena perceber que, numa trajetória lenta e inexorável, os Estados Unidos refluem. Sua gritaria para acelerar desregulamentação e abertura de mercados é defensiva e um espaço contínuo e populoso como é o Brasil terá máxima vantagem se esgrimir com o tempo a seu favor. Difícil é administrar essa oportunidade sem recuar no esforço de impor competição e eficiência aos produtores locais. Pois autarquias isoladas e altaneiras só costumam produzir gritaria e muita gente infeliz.

Na época da globalização do capitalismo, entra em cena a ideologia neoliberal, como seu ingrediente, produto e condição. O neoliberalismo retoma e desenvolve os princípios que se haviam formulado e posto em prática com o liberalismo ou a doutrina da mão invisível, a partir do século XVIII. Na época da globalização, mundializam-se as instituições mais típicas e sedimentadas das sociedades capitalistas dominantes.

Na medida em que se desenvolvem e generalizam, os processos envolvidos na modernização ultrapassam ou dissolvem fronteiras de todo o tipo, locais, nacionais, regionais, continentais; ultrapassam ou dissolvem as barreiras culturais, lingüísticas, religiosas ou civilizatórias. Esse é o reino da razão instrumental, técnica ou subjetiva, permeando progressivamente todas as esferas da vida social, em âmbito local, nacional, regional e mundial.

Há 49 anos, no mês de dezembro, era aprovada a Declaração Universal de Direitos Humanos, mediante o consenso de 48 Estados, com oito abstenções. A declaração de 1948 nasce como a referência ética de uma nova ordem contemporânea. Afirma a universalidade dos direitos humanos, que decorrem da própria condição da pessoa. Afirma também a indivisibilidade desses direitos, conjugando direitos civis e políticos com os econômicos, sociais e culturais.

A partir da declaração universal, deflagram-se os processos de internacionalização e globalização dos direitos humanos, na medida em que a forma pela qual um Estado trata seus nacionais interessa ao mundo. Por sua vez, os indivíduos convertem-se em sujeitos de direitos consagrados em tratados internacionais de proteção.

Passados 49 anos, da era da globalização dos direitos transita-se para a da globalização econômica. A ordem internacional passa a se orientar fundamentalmente pelo paradigma econômico, que estimula a competitividade internacional e a formação de um mercado sem fronteiras, sob a inspiração do neoliberalismo econômico. Se, por um lado, esse processo é capaz de reforçar a idéia de ''internacionalização'' e da conseqüente ''relativização'' da noção tradicional de soberania estatal (que sempre foi um obstáculo à globalização dos direitos humanos), por outro, contudo, tem produzido dramáticos efeitos no que se refere à universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos.

A criação do mercado global tem gerado um imenso exército de excluídos, destituídos de direitos básicos. O paradigma econômico tem implicado a violação sistemática à universalidade e indivisibilidade de direitos.

Juntamente com a modernização em marcha com o capitalismo e o ocidentalismo, generaliza-se o predomínio das mais diversas tecnologias de produção e controle sociais. Ainda que a modernização tenda a impor-se às mais diversas formas de organização social da vida e trabalho, isto não se dá de modo abrupto, inexorável, monolítico. Enquanto processo civilizatórios abrangente, tem convivido com os mais diferentes padrões, valores e instituições. São múltiplas e diferenciadas as formas sociais e culturais, ou civilizatórias, com as quais se defrontam os padrões, valores e instituições modernos ou modernizantes.

Ainda que os processos de globalização e modernização desenvolvam-se e reciprocamente pelo mundo afora, também produzem desenvolvimentos desiguais, desencontrados, contraditórios. O que cria a ilusão da integração, ou homogeneização, é o fato indiscutível da força do ocidentalismo, conjugado com o capitalismo. Fala-se de pós-modernidade tanto em Paris como na cidade do México, em Nova York como na cidade do Cabo, em Moscou como em Nova Delhi, em Tóquio como em Pequim, em Hong Kong como em Porto Príncipe. Quando se confundem modernização e modernidade, logo fica fácil falar em pós-modernidade, esquecendo que ainda não é possível falar-se em pós-modernização. A modernidade pode ser algo que subsiste e desenvolve-se de permeio às mais diversas modalidades de modernização. Mas a modernização está predominante determinada pela racionalidade do capitalismo, enquanto racionalidade pragmática, técnica, automática.

A noção de aldeia global é bem uma expressão da globalidade das idéias, padrões e valores socioculturais, imaginários. Pode ser vista como uma teoria da cultura mundial, entendida como cultura de massa, mercado de bens culturais, universo de signos e símbolos, linguagens e significados que povoam o modo pelo qual uns e outros situam-se no mundo, ou pensam, imaginam, sentem e agem.

Os meios de comunicação de massa rompem ou ultrapassam fronteiras, culturas, idiomas, religiões, regimes políticos, diversidades e desigualdades sócio-econômicas e hierarquias raciais, de sexo e idade. No âmbito da aldeia global, prevalece a mídia eletrônica como um poderoso instrumento de comunicação, informação, compreensão, explicação e imaginação sobre o que vai pelo mundo. A mídia global não é monolítica, com certeza, e verdade também que a indústria também adquiriu alcance global.

No âmbito da sociedade mundial em formação, quando se revelam cada vez mais numerosos e generalizados os sinais da globalização, também multiplicam-se os pastiches, os simulacros e as virtualidades. A aldeia global pode ser uma metáfora e uma realidade, uma configuração histórica e uma utopia. Em um nível mais do que evidente, o principal tecido da aldeia global tem sido o mercado, a mercantilização universal, no sentido de que tudo tende a ser mercantilizado, produzido e consumido como mercadoria. Ela seria ininteligível, como realidade ou imaginação, sem a colaboração ativa de toda uma multidão de intelectuais trabalhando em todo o mundo, nas mais diversas organizações e corporações públicas e privadas, nacionais, regionais, transnacionais e propriamente globais. Estes intelectuais representam uma argamassa importante, muitas vezes não só indispensável, mas decisiva para a operação das organizações e corporações, em escala local, nacional, regional e mundial. É como se todo o mundo, em sua organização e dinâmica, em suas articulações, tensões e fragmentações, fosse continuamente, minuto a minuto, descrito e interpretado, fotogrado e divulgado, taquigrafado e codificado ou representado e imaginado por uma coletividade de intelectuais especializados em traduzir fatos, acontecimentos, crises, impasses, realizações, façanhas, revoluções e guerras.

Aquele que trabalha com os meios de representação, principalmente quando pode manipular as mais diversas linguagens e as mais diferentes técnicas, pode levar as representações a extremos de paroxismos. Como cita Tzvetan Todorov “A linguagem sempre foi a companheira do império”, formando-se neste contexto as hegemonias de alcance mundial, os projetos de gestão dos problemas e orientações de âmbito mundial.

Na época da Guerra Fria, ao longo dos anos 1946 a 1989, já em franco processo de globalização, a mídia construía uma visão do mundo bipolarizada, maniqueísta. O capitalismo e o socialismo eram contrapostos em termos de “mundo livre e mundo totalitário”, “democracia e comunismo”, “sociedade aberta e fechada”, “reino do bem e mal”. Depois, a partir de 1989, quando a mídia impressa e eletrônica globalizada invade ainda mais todas as esferas da vida social, em todo o mundo, nessa época o que prevalece é a idéia de “nova ordem econômica mundial”, “fim da história”, “fim da geografia”. Há sempre alguma influência, mais ou menos decisiva, no modo pelo qual a mídia registra, seleciona, interpreta e difunde o que vai pelo mundo.

Pode-se equiparar o capitalismo em desenvolvimento com a palavra racionalização, ocorre o desenvolvimento de formas racionais de organização das atividades sociais em geral, compreendendo as políticas, as econômicas, as jurídicas, as religiosas, as educacionais e outras. A rigor, os desenvolvimentos das ciências ditas naturais e sociais, traduzidos em tecnologias de todos os tipos, revelam-se simultaneamente condições  e produtos de um vasto complexo processo de racionalização do mundo. Desde que se formou o moderno capitalismo, o mundo passou a ser influenciado pelo padrão de racionalidade gerado com cultura desse mesmo capitalismo.

Se é verdade que o capitalismo nasceu na Europa Ocidental, ambientando no protestantismo, desenvolvendo-se inclusive nos Estados Unidos impregnados desse mesmo protestantismo, é também verdade que o capitalismo tem se expandido progressivamente por outras nações e nacionalidades. O que parecia característico e peculiar do Ocidente, logo se revela compatível e até próspero no Oriente; parecendo característico do hemisfério norte, também expande-se pelo hemisfério sul. Em certos casos, como no do Japão, o capitalismo tanto floresce, que até mesmo inova e desafia as próprias matrizes originais desse modo de produção.

Note-se que o contraponto “religião-capitalismo”, envolvendo ética religiosa e comportamento econômico, ou visão religiosa do mundo e racionalização do trabalho e da produção, não se desenvolvem em abstrato, mas mo âmbito do jogo das relações, processos e estruturas sociais, culturais e outras que constituem a sociedade.

Cabe sempre reconhecer e reiterar que a sociologia das religiões mundiais desenvolvida por Weber é também e principalmente uma sociologia da cultura, uma sociologia de estilos de vida e visões do mundo constituídos culturalmente e sintetizados nas religiões.

De fato, o capitalismo pode ser visto como um processo de amplas proporções e acentuadamente expansivo, inaugurando e desenvolvendo uma época excepcionalmente singular da história européia e mundial. O capitalismo, como produto e condição da ampla e generalizada racionalização do mundo, logo se impõe ou sobrepõe às mais diversas formas de organização da vida social. Tanto pode conviver como absorver, tanto pode modificar como recriar, as mais diferentes modalidades de organização social do trabalho e da produção.

As tecno-estruturas podem ser vistas como organizações sistêmicas, expressando muito do que é a racionalidade instrumental ou técnica predominante no capitalismo. Elas podem ser locais, nacionais, regionais e mundiais, operando em esferas como as da economia, política, cultura, geopolítica, geoeconomia, indústria cultural e outras. Juntamente com a racionalização do mercado, da empresa, de cidade, do Estado, do ensino, da cultura e da religião, desenvolve-se e generaliza-se o direito racional. Talvez se possa dizer que o direito racional é o coroamento do processo de racionalização inerente ao desenvolvimento do capitalismo como processo civilizatório. Esse é o universo que predomina o princípio da quantidade. Aos poucos, o princípio da qualidade subordina-se ao da quantidade. Ainda que a qualidade jamais seja suprimida, ela perde prerrogativas na maioria dos espaços públicos, e tende a perdê-las também em espaços privados.

Sob todos os aspectos, pode-se dizer que o conceito de racionalidade está na base do pensamento de Weber, tanto no que se refere as suas reflexões teóricas como no que diz respeito as suas análises históricas. Tudo que é social, em qualquer época ou lugar, pode ser analisado em termos de formas e gradações de racionalidade das ações sociais de indivíduos, grupo ou coletividades; para ele o socialismo distingue-se principalmente como uma forma ou gradação de exercício da racionalidade na organização das atividades econômicas, políticas, culturais e sociais, caracterizando-se por criar novas formas e gradações de racionalização das atividades, instituições e organizações, o que reforça o poder da burocracia e do burocrata, tanto no que se refere à gestão do aparelho estatal e da empresa como no relativo à estrutura de aço na qual o trabalhador é inserido.

O que era um processo circunscrito a alguns países da Europa, e transplantado para os EUA, logo se revela mais ou menos generalizado e, às vezes, avassalador, em escala mundial. À força de desenvolver-se por todos os cantos e recantos da vida social, o processo de racionalização passa a submeter o indivíduo, singular e coletivamente, aos produtos de sua criatividade. À medida que ocorre o século XX, atravessando guerras e revoluções, nacionalidades e nações, culturas e civilizações, o capitalismo intensifica e generaliza o desencantamento do mundo.

Desde o princípio, o capitalismo revela-se como um modo de produção internacional. Ainda que tenha sido sucessiva e simultaneamente nacional, regional e internacional, juntamente com sua vocação colonialista e imperialista, o capitalismo se torna no século XX um modo de produção não só internacional, mas propriamente global. Acontece que o modo capitalista de produção funda-se no jogo das forças produtivas liberadas com o declínio do feudalismo, a aceleração da acumulação originária, a reprodução ampliada do capital, o desenvolvimento intensivo e extensivo da produção, da distribuição, da troca e do consumo. O modo capitalista de produção está sempre em movimento, no sentido de que se transforma e expande, entra em crise e retoma sua expansão, de maneira errática mas progressiva, com freqüência inexorável. É claro que toda essa dinâmica é comandada pelo capital, pelos que detêm a propriedade e os movimentos do capital, em âmbito nacional e mundial.

O predomínio do modo capitalista de produção traduz-se nos processos de concentração e centralização do capital. A dinâmica da reprodução ampliada realiza-se pela contínua concentração e centralização, ou absorção de outros capitais pelo mais ativo, forte ou inovados. Na medida em que se desenvolve, o capitalismo tanto revoluciona as outras formas de organização social e técnica do trabalho e da produção com os quais entra em contato, como transforma reiteradamente as formas de organização social e técnica do trabalho e da produção já existentes em moldes capitalistas. O que já se revelava uma característica fundamental de gênese do capitalismo europeu no século XVI se revela também no século XX, a continuidade geral e reiterada do divórcio entre a força de trabalho e as condições de trabalho.

No fim do século XX, reabrem-se espaços e fronteiras, inesperados ou recriados, disponíveis ou forçados. Juntamente com a desagregação do bloco soviético, com a dissolução do mundo socialista, universalizou-se mais do que nunca o modo capitalista de produção; e o capitalismo como processo civilizatório. Nota-se a adoção da economia de mercado por praticamente todas as nações do ex-mundo socialista; nessa época ocorre uma transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório.

Ocorreu também a diáspora da industrialização pelo mundo, inclusive provocando uma crescente dissolução do mundo agrário. A nova divisão internacional do trabalho, agilizada pelos meios de comunicação e transporte, cada vez mais apoiados em técnicas eletrônicas, transformou o mundo em uma fábrica e um shopping center globais. São globalismos decisivamente baseados na organização e dinâmica das corporações transnacionais, que desenvolvem suas geoeconomias e sua geopolíticas em moldes mais ou menos independentes dos Estados nacionais.

A globalização do capitalismo reaviva a controvérsia mercado ou planejamento ao nível dos setores produtivos, das economias nacionais, dos blocos regionais e, obviamente, da economia mundial como um todo. A controvérsia mercado ou planejamento foi colocada de forma particularmente estridente com a desagregação do bloco soviético e do conjunto do mundo socialista, quando se colocaram em causa as economias centralmente planejadas. A globalização do capitalismo contempla, todo o tempo, o contraponto mercado-planejamento. O pleno predomínio do princípio do mercado seria o caos. Para evitar que o caos irrompa de modo avassalador, governantes, proprietário de meios de produção, gerentes técnicos, organizações multilaterais, ou seja, tecno-estruturas transnacionais ou propriamente mundiais planejam a expansão e a consolidação dos empreendimentos, a competição e a política anti-cíclica, o certo e o incerto.

Esta pode ser considerada uma das características mais notáveis da globalização do capitalismo: as técnicas eletrônicas, compreendendo a micro-eletrônica, a automação, a robótica e a informática, em suas redes e vias de alcance global, intensificam e generalizam as capacidades dos processos de trabalho e produção. Observa-se que as maravilhas da ciência e da técnica não se traduzem necessariamente na redução ou eliminação das desigualdades sociais entre grupos, classes, coletividades ou povos.

Fechando a dialética sobre o tema globalização, o autor encerra com os pensamentos de Marx: O capitalismo para ele é um processo civilizatório mundial. Ainda que desenvolva pólos mais ou menos poderosos, esses mesmos pólos formam-se e desenvolvem-se com base em um vasto sistema de relações com povos, tribos, etc. Trata-se de um processo civilizatório que “invade todo o globo”, destruindo ou recriando outras formas sociais de trabalho e vida, outras formas culturais e civilizatórias.

Não se trata de pensar que a sociedade global já estava em Marx. Trata-se apenas de reconhecer que algumas das instituições e interpretações marxistas contemplam as dimensões mundiais do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório. Este é o horizonte a partir do qual se pode reler o passado, interpretar o presente e imaginar o futuro.

As relações, os processos e as estruturas característicos da globalização incutem em praticamente todas as realidades preexistentes novos significados, outras conotações. Na medida em que se dá a globalização do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório, desenvolveu-se simultaneamente a sociedade global, uma espécie de sociedade civil global em que se constituem as condições e as possibilidades de contratos sociais, formas de cidadania e estruturas de poder de alcance global. Desde que se acelerou o processo de globalização do mundo, modificaram-se as noções de espaço e tempo. A crescente agilização das comunicações, mercados, fluxos de capitais e tecnologias, intercâmbios de idéias e imagens, modifica os parâmetros herdados sobre a realidade social, o modo de ser das coisas, o andamento do devir. As fronteiras parecem dissolver-se, obliteraram-se as barreiras, equalizaram os pontos dos territórios, harmonizaram os momentos da velocidade, modificaram os tempos da duração, dissolveram os espaços e tempos conhecidos e codificados; o mundo transforma-se em território de todo o mundo.

Esse é o clima da pós-modernidade: a história substituída pelo efêmero, pela imagem do instante, pelo lugar fugidio. Privilegia-se o dado imediato, evidente, cotidiano, inesperado, prosaico, surpreendente, fugaz. Quando o mundo não se conforma com a pós-modernidade imaginária ou sonhada, o mundo articula-se cada vez mais de acordo com as exigências da razão instrumental. Aos poucos, a razão instrumental articula os espaços e tempos, modos de produzir e consumir, ser e viver, pensar e imaginar. No mesmo ambiente em que se solta a pós-modernidade, solta-se a racionalidade.

Nesse universo de coisas, gentes, idéias, realizações, possibilidades e ilusões, o autor frisa mais uma vez que o mercado global é tecido principalmente pelo idioma inglês. Em geral, ele diz, o inglês traduz o pensamento e o pensado, a informação e a decisão, a compra e a venda, a possibilidade e a intenção. O inglês pode ser o idioma da globalização. A maior parte dos acontecimentos, relações, atividades e decisões expressa-se nesse idioma, ou nele se traduz.

Quando se globaliza o mundo, quando a máquina do mundo passa a funcionar em sua globalidade, o andamento de cosas, gentes e idéias, províncias e nações, culturas e civilizações adquire outras realidades, diferentes possibilidades. Pode-se pensar tudo novamente.

Finalizando seu livro, Octavio Ianni fala sobre as ciências sociais, afirmado até que a sociedade global é o novo objeto destas ciências, no tocante de serem pela primeira vez desafiadas a pensar o mundo como uma sociedade global. A sociedade global apresenta desafios empíricos e metodológicos, ou históricos e teóricos, que exigem novos conceitos, outras categorias, diferentes interpretações. É um grande momento em que o conhecimento sobre a sociedade nacional não é suficiente para esclarecer as configurações e os movimentos de uma realidade que já é sempre internacional, multinacional, transnacional, mundial ou propriamente global.

Como integrantes de um mesmo todo e por si só, facilitando um prévio entendimento, o autor registra cinco características provenientes do estudo da sociedade global, são elas:

1. Baseiam-se principalmente nos ensinamentos das seguintes teorias, muito correntes nas ciências sociais: evolucionismo, funcionalismo, sistêmica, estruturalista, weberiana e marxista.

2. Priorizam determinados aspectos da sociedade global: econômicos, financeiros, tecnológicos, informáticos, culturais, etc.

3. A maioria situa-se em perspectiva que se pode denominar de convencional

4. O método comparativo evidentemente está na base de praticamente todos os estudos e interpretações.

5. São poucos, muitos poucos, os que se posicionam nos horizontes da desterritorialização, uma perspectiva que pode passar pelas convencionais, mas não se fixa em nenhuma, como a que seria prioritária, privilegiada ou mais avançada. 

Não é suficiente transferir conceitos, categorias e interpretações elaboradas sobre a sociedade nacional para a global., Quando se trata de movimentos, relações, processos e estruturas característicos da sociedade global, não basta utilizar ou adaptar o que se sabe sobre a sociedade nacional. A globalização encontra-se ainda em processo de equacionamento empírico, metodológico e teórico. Mais que isso, apenas começa a ser percebida em suas implicações epistemológicas. Como cita Martin Albrow em seu livro “Globalition, Knowledge and Society” a “globalização diz respeito a todos os processos por meio dos quais os povos do mundo são incorporados em uma única sociedade mundial, a sociedade global; globalismo é uma das forças que atuam no desenvolvimento da globalização”.

A globalização envolve o problema da diversidade. Praticamente todos os estudos e interpretações sobre a sociedade global colocam esse problema. Seria impossível imaginar a globalização sem a multiplicidade dos indivíduos, grupos, classes, tribos, nações, nacionalidades, culturas, etc. São estes que se globalizam, ou acaso ou por indução, sabendo ou não. Da mesma forma que são estes que vivem, pensam, protestam, mudam, transformam-se.

A sociedade global se constitui desde o início como uma totalidade problemática, complexa e contraditórias, aberta e em movimento. É um cenário mais amplo do desenvolvimento desigual, combinado e contraditório. Há seus pós e contras, mas o que não se pode negar é que ela está aí e no mundo inteiro, de uma forma ou outra. A dinâmica do todo não se distribui similarmente pelas partes, própria frase do autor.

Fonte: Cola da Web


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